TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

24 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL poderes orientados teleologicamente pelas tarefas de velar pelo funcionamento do mercado e garantir a qualidade dos serviços prestados em determinado setor, mormente através da atribuição de mecanis- mos sancionatórios eficazes. IV - A normação contida no n.º 5 do artigo 67.º dos Estatutos da ERS foi apreciada e julgada organi- camente inconstitucional por várias vezes, quer por constituir lei restritiva de direitos, liberdades e garantias, nomeadamente, do princípio da presunção de inocência, violando a reserva legislativa da Assembleia da República prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, parâmetro constitucional que fundou o julgamento de inconstitucionalidade orgânica que versou, sem distin- ção, todos os sentidos normativos contidos no n.º 5 do artigo 67.º dos Estatutos da ERS; quer por inconstitucionalidade orgânica fundada igualmente na violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º, em conjugação com os n. os 2 e 10 do artigo 32.º da Constituição, e também na violação do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º da Lei Fundamental. V - A norma sub juditio , ao determinar que o recurso de impugnação das decisões finais condenatórias da ERS que imponham uma coima tem, por regra, efeito meramente devolutivo, condicionando a atribuição de efeito suspensivo a um conjunto de requisitos, constitui uma compressão da garantia constitucional da presunção da inocência, que consta do artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, sendo assegurado, por via do n.º 10 do mesmo artigo, no domínio sancionatório contraordenacional; o artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição dispõe que é da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre direitos, liberdades e garantias, pelo que a norma em apreciação, ao comprimir sem autorização parlamentar um direito fundamental da nature- za dos direitos, liberdades e garantia, padece de inconstitucionalidade orgânica. VI - A dimensão normativa em análise padece de um outro vício de natureza orgânica, agora por ofensa da reserva parlamentar estatuída na parte final da alínea d) do mesmo n.º 1 do artigo 165.º da Constitui- ção, nos termos da qual é da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, definir a natureza do ilícito, a tipologia sancionatória dos ilícitos contraordenacionais, fixar os limites mínimo e máximo das coimas, assim como definir as linhas gerais da tramitação processual a seguir para a aplicação concreta de tais sanções; o Governo só pode editar normas, que façam parte do regime geral das infrações contraordenacionais, desde que munido de autorização legislativa, poden- do legislar, sem necessidade de autorização parlamentar, fora desse regime geral, designadamente, na criação de concretos ilícitos contraordenacionais e fixação da moldura das coimas que cabem a cada infração, desde que se mova dentro dos limites da lei de enquadramento, e bem assim na estatuição de regras secundárias do processo contraordenacional correspondente. VII - A norma em apreço, relativa ao efeito do recurso judicial em condenação por infração contraorde- nacional, foi editada pelo Governo ao abrigo da sua competência legislativa geral, prescrita no artigo 198.º, n.º 1, alínea a) , da Constituição, da qual decorre habilitação legiferante para a definição das normas secundárias do regime processual contraordenacional em questão. VIII - O Regime Geral das Contraordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, não contém diretamente no seu enunciado a disciplina sobre a matéria do efeito do recurso judicial da decisão final condenatória proferida pela entidade administrativa, encontrando-se essa matéria compreendida na remissão operada pelo artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, para a aplicação sub- sidiária, com as devidas adaptações, dos «preceitos reguladores do processo criminal» (e não apenas as

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