TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

236 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 34. Neste item, o erro da decisão sumária radica provavelmente do traslado que se encontra no Tribunal Cons- titucional não integrar nem o RAI, nem o parecer do Prof. Pinto de Albuquerque, nem a Contestação, o que vai suscitar a arguição de uma irregularidade em requerimento autónomo. 35. Acresce que a questão do princípio da igualdade, permitindo um tratamento diferente para, por um lado, certos titulares de cargos políticos e o seu círculo de contactos e, por outro, para os restantes cidadãos, quando se está perante conhecimentos fortuitos que não podem ser antecipados ou previstos, coloca-se de forma quase evi- dente (sem prejuízo de se poder concluir que não há violação do princípio da igualdade). 36. Como já se disse, o ónus de suscitação da inconstitucionalidade “de modo processualmente adequado”, invocado no n.º 10 da decisão sumária, é imposto ao Recorrente para que ele faça saber ao tribunal recorrido que tinha determinada questão de constitucionalidade para resolver. 37. O recorrente tem, por isso, de identificar – enunciando – a norma ou dimensão normativa que considera inconstitucional, e o fundamento dessa inconstitucionalidade, em determinada regra ou princípio constitucional. Não se exige, porém, que aprofunde ou desenvolva a sua argumentação até ou para além de determinado ponto – que nunca poderia aliás ser definido precisamente. Nem se lhe proíbe que se limite a invocar o fundamento de forma sumária, remetendo para pareceres jurídicos ou para trabalhos doutrinais a fundamentação desenvolvida da inconstitucionalidade da norma que enunciou. Este é ainda, claramente, um modo processualmente adequado de suscitar a questão de constitucionalidade perante o tribunal a quo, desde que o recorrente tenha enunciado a dimensão normativa em causa e invocado o princípio violado (princípio da igualdade), equacionando-o de forma sumária e remetendo para esses trabalhos autorizados a fundamentação desenvolvida. 38. Pelo exposto, a afirmação da decisão sumária de que o Recorrente não logrou enunciar “com um mínimo de clareza, as razões que determinariam a alegada inconstitucionalidade, de modo a o TR.P. dela dever decidir”, é, pois, claramente improcedente, razão pela qual, relativamente à questão enunciada no art. 50.º do requerimento de interposição de recurso, deve o recurso ser admitido, devendo o tribunal conhecê-lo. IV. A TERCEIRA QUESTÃO 39. Pedido: a inconstitucionalidade da interpretação dada aos arts. 188.º a 190.º do CPP, no sentido de que é admissível a destruição «inaudita altera parte» de escutas telefónicas ( rectius , dos suportes onde se encontram essas escutas telefónicas), quando isso ocorre depois da cessação do segredo interno e contra a vontade expressa de arguido que tenha manifestado interesse em examiná-las antes do trânsito em julgado da decisão de destruição – o que, in casu , relevaria, pelo menos, para os despachos do Presidente do STJ proferidos a 27/11/2009, 26/01/2010 e 18/06/2010 –, por violação das garantias de defesa consagradas no art. 32.º, n.º 1 e 8 da CRP .. 40. Neste item, o Tribunal entendeu que estavam preenchidos os requisitos para apreciar a questão de inconsti- tucionalidade suscitada, mas julgou-a improcedente porque já estaria coberta pela solução do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 70/2008, proferido em Plenário, igualmente adoptada no acórdão n.º 293/2008. 41 Mas não tem razão. 42. No acórdão n.º 70/2008 do Tribunal Constitucional– de resto, com vários votos de vencido –, decidiu-se não ser inconstitucional o entendimento adoptado num determinado quadro legal e considerando o equilíbrio de direitos que nesse caso se colocavam. 43. Na questão ora suscitada, há dois elementos novos: por um lado, a destruição ocorrer depois da cessação do segredo interno; por outro lado, essa destruição ocorrer contra a vontade expressa de arguido que manifestou interesse em examiná-las antes do trânsito em julgado da decisão de destruição. 44. Há aqui um interesse concreto manifestado pelo arguido, numa fase processual onde já não vigora o segredo interno, o que altera de forma significativa os termos da ponderação de interesses e de direitos em causa. 45. A decisão sumária não podia entender que a inconstitucionalidade suscitada já fora objeto de ponderação ante- rior pelo Tribunal Constitucional. Nunca o fora, nem naquele acórdão do Tribunal Plenário, nem em qualquer outro. 46. Em particular, no acórdão n.º 70/08 não foi equacionada a manifesta e injustificada desigualdade de armas entre a autoridade judiciária e o arguido que é consequência do entendimento normativo adoptado, quando

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