TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

234 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL criação de um “foro especial” para autorização de interceções e gravações ou comunicações”. Só na acta n. 26, o dia 25 de setembro de 2006, o Presidente da UMRP deu conta da alteração introduzida, por decisão política alheia aos conselheiros da UMRP, no tocante à admissão da intervenção do presidente do Supremo Tribunal de Justiça para autorizar a interceção e gravação de comunicações telefónicas de certas figuras do Estado. Sem que uma palavra fosse dita no sentido de essa alteração prejudicar a competência dos juízes do Supremo Tribunal de Justiça nos termos do artigo 11.º, n.º 7 do CPP, que se manteve intacta e sem quaisquer restrições. Tal como os conselheiros tinham anteriormente sublinhado. * 72. Acresce que a competência do Supremo Tribunal de Justiça não cobre, nem tinha e cobrir, os casos em que o Primeiro-Ministro não é sequer suspeito da prática de qualquer crime e mantém conversas telefónicas com um suspeito, sendo obtidos conhecimentos fortuitos da prática de um crime distinto daquele que deter- minou a escuta. Por uma razão simples: é que o Primeiro-Ministro não é então o visado pela escuta, ele não é o suspeito, nem intermediário do suspeito. A exigência da autorização prévia do Supremo Tribunal de Justiça de uma escuta de uma conversação tida por um suspeito com o Primeiro-Ministro que é um mero interlo- cutor obrigaria o juiz de instrução a fazer de adivinho. O juiz teria que adivinhar quem são os interlocutores com quem o suspeito iria falar antes de se iniciar a escuta e, caso adivinhasse que o suspeito iria falar com o Primeiro-Ministro, teria então de a escuta ser autorizada pelo Supremo Tribunal de Justiça. A inexequibili- dade desta exigência mostra à evidência a sua falta de fundamento. Acresce que esta exigência constituiria um inadmissível regime de privilégio para as pessoas das relações pessoais do Primeiro-Ministro, mesmo que essas pessoas fossem suspeitas da prática de crimes. Um tal regime violaria o princípio da igualdade. Portanto, a validade das conversas telefónicas tidas por um suspeito com um Primeiro-Ministro, que não é ele próprio suspeito da prática de um crime, nem intermediário do suspeito, em que se obtêm conhecimentos fortuitos da prática de um crime distinto daquele que determinou a escuta, é fiscalizada pelo juiz de primeira instância que determinou a escuta. * 73. Dito por outras palavras: a interpretação do presidente do Supremo Tribunal de Justiça tem o efeito prático de inutilizar quaisquer conhecimentos fortuitos resultantes de escutas legalmente ordenadas por um juiz de instrução, se esses conhecimentos fortuitos se referirem a crime praticado pelo Primeiro-Ministro. Esta interpretação esvazia de conteúdo o artigo 187.º n.º 7, do CPP (precisamente no mesmo sentido opinou Costa Andrade, in Escutas: coisas simples duma coisa complexa, in jornal Público , de 8.11.2009, página 37, onde se lê: “De forma sincopada: em matéria de conhecimentos fortuitos, cidadão comum e órgãos de soberania estão, rigorosamente, na mesma situação. Nem um nem outro gozam do potencial de garantia própria da intervenção prévia de um juiz de instrução, a autorizar as escutas. (….) Uma vez recebidas as certidões ou cópias, falece àquelas superiores autoridades judiciárias e, nomeadamente ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça, legitimidade e competência para questionar a validade de escutas que foram validam ente concebidas”; e ainda no texto da conferência de homenagem ao Professor Figueiredo Dias, organizada pela UCP e pela Ordem de Advogados na cidade de Viseu em janeiro de 2010, em curso de publicação, “Escutas telefónicas, conhecimen- tos fortuitos e Primeiro-Ministro”, onde o mesmo Autor escreveu que “a solução perfilhada pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e pela Procurador-Geral da República – nulidade das escutas por elas terem gerado conhecimentos fortuitos que atingiram o Primeiro-Ministro – viola claramente a lei positiva e vigente, socavam os seus pressupostos teleológicos e político-criminais e contrariam de forma irreconciliável o respec- tivo horizonte constitucional. (…) Na disciplina jurídica dos conhecimentos fortuitos sobreleva, nos termos que deixámos enunciados, a circunstância de a sua recolha não depender – nem poder depender – da prévia intervenção e autorização do juiz de instrução. Pela natureza das coisas, a recolha dos conhecimentos fortuitos tem a marca incontornável da álea e da surpresa: não pode ser antecipada ou prevista, menos ainda acautelada. A legalidade da sua recolha e a legitimidade da sua valoração não dependem, por isso, duma – impossível – autorização do juiz de instrução. A legalidade e validade dos conhecimentos fortuitos dependem exclusiva- mente da legalidade e validade originária das escutas em cuja rede eles acabam por cair. ( .. ) De outra forma – a seguir-se, por exemplo, o entendimento subscrito tanto pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça como pela Procuradoria Geral da República – não haveria, à partida, escutas definitivamente válidas. Já que

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