TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

188 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 15. Não colhe também o argumento do recorrente de que a latitude (a seu ver, grande) do conceito de meio insidioso «chega mesmo a “esbarrar” com a configuração que o legislador veio a traçar noutros “exem- plos-padrão”, mormente na actual redação, a alínea h) : é evidente que se o meio é insidioso, impossibilitando ou dificultando a defesa da vítima é, simultaneamente, um meio especialmente perigoso na sua aptidão para produzir a morte, independentemente de objetivamente o ser, e independentemente da fragilidade da vítima – alínea c) , do n.º 2, da norma em apreço». E de que, se esse conceito fosse suficientemente determinado, «seria redundante o alargamento dos exemplo-padrão que posteriormente foram sendo aditados ao n.º 2, do art.º 132.º, do C.P., mormente a utilização de meio particularmente perigoso (que, precisamente por o ser, dificulta a defesa da vítima), ou a caracterização de vítimas particularmente indefesas que, por definição, independentemente do meio utilizado são presas fáceis dos agressores». Tais alegações contêm a base para a sua própria refutação. Por um lado, a fim de firmar a excessiva lati- tude do conceito de meio insidioso, o recorrente acaba por se lhe referir como um conceito bastante bem recortado: é ele um meio que «impossibilit[a] ou dificult[a] a defesa da vítima» (a mesma noção que acima se concluiu reunir consenso). Por outro, embora até possa conceder-se que um meio insidioso é sempre um meio particularmente perigoso, isso não significará que um meio particularmente perigoso seja sempre um meio insidioso. Assim, o aditamento da alínea h) não só não permite concluir pela insuficiente determinação da alínea i) , como na verdade convida a uma conclusão de sentido oposto: i. e. , que o legislador considerou que a utilização de um meio particularmente perigoso também deveria conduzir à qualificação do homicí- dio, mas que para isso seria necessário (ou pelo menos conveniente, pois a qualificação poderia ainda ser admissível por via da analogia axiológica: cfr. supra, ponto 8) prever expressamente essa hipótese no catálogo de exemplos-padrão, visto que ela não podia considerar-se incluída no conceito de meio insidioso. O que só reforça a ideia de que este tem um recorte relativamente claro. 16. A conclusão de que o elemento típico em análise satisfaz o princípio da tipicidade sai ainda robus- tecida de uma apreciação relativa, i.e. comparativa com outros elementos normativos presentes no direito penal português (embora deva sublinhar-se que uma tal comparação não é nem bastante nem indispensável, pois a avaliação que a este Tribunal compete fazer é a da conformidade de dadas normas ordinárias, em si mesmas, com a Constituição: neste preciso sentido, cfr. o recente Acórdão n.º 606/18). Na doutrina, veja-se por exemplo José de Sousa e Brito, op. cit. , p. 244, reportando-se a conceitos presentes no Código Penal anterior, mas já na vigência da Constituição de 1976 e, por conseguinte, perante o mesmo parâmetro constitucional que aqui está em causa. Como já acima se indicou, o autor ilustra o uso de elemen- tos normativos em direito penal com exemplos como «miserável», «sedução», «pudor», «devassidão», «rigor», «honestidade», «ultraje à moral pública» – todos eles, no mínimo dos mínimos, tão (in)determinados como «meio insidioso» –, para logo asseverar que «é difícil sustentar a [sua] inconstitucionalidade» ( ibid., p. 245). Quanto à avaliação já feita pelo Tribunal Constitucional sobre a compatibilidade de outros conceitos previstos em normas sancionatórias com o princípio da tipicidade, podem ver-se, por exemplo, os seguintes arestos, todos prolatados no sentido da não inconstitucionalidade: o Acórdão n.º 383/00, onde se apre- ciou o elemento normativo «documento autêntico ou com igual força», usado no artigo 256.º (Falsificação de documento), n.º 3, do CP; o já citado Acórdão n.º 93/01, sobre os artigos 1.º, 4.º, n.º 1, alínea g) , e 108.º da Lei do Jogo, que, conjugadamente, criminalizavam certas condutas com recurso a conceitos como «nomeadamente» e «fundamentalmente»; o Acórdão n.º 358/05, sobre os artigos 4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 86/04, de 17 de abril (Regime de Proteção Jurídica das Designações do Campeonato Europeu de Futebol de 2004), onde se estabeleciam certas contraordenações com recurso a elementos como «passível de criar um risco de associação» e «susceptível de criar a falsa impressão». Na mesma linha, pode ainda ver-se o Acórdão n.º 29/07, sobre o crime de introdução fraudulenta no consumo previsto no artigo 96.º, n.º 1, alíneas a) e b) , do Regime Geral das Infrações Tributárias; e o já citado Acórdão n.º 606/18, sobre o crime previsto no artigo 292.º, n.º 2, do CP, mais especificamente sobre o segmento desse preceito que responsabiliza criminalmente

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