TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
182 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL como incidental ou subordinada relativamente à primeira questão acima indicada. Não tendo esta questão sido formulada no requerimento de recurso de forma autónoma, não pode integrar o seu objeto. De facto, conforme reiteradamente afirmado por este Tribunal, de acordo com o disposto no artigo 75.º-A, n.º 1, da LTC, recai sobre o recorrente o ónus de enunciar com precisão e clareza as normas ou inter- pretações normativas cuja constitucionalidade pretende ver sindicada. O recorte inscrito no requerimento de interposição de recurso opera, em termos irremediáveis e definitivos, a delimitação do objeto de recurso, não sendo consentidas modificações substantivas ulteriores, sem prejuízo da possibilidade de restrição em sede de alegações de questão anteriormente colocada. A ampliação do objeto do recurso em alegação, extravasando o sentido normativo definido no requerimento de interposição de recurso, não é admitida (cfr. os Acórdãos n. os 286/00, 146/06 e 400/13). De todo o modo, o Tribunal Constitucional nunca poderia conhecer essa questão: (i) em primeiro lugar, porque ela não foi, de todo, suscitada perante o tribunal recorrido (vide as fls. 649 e 697 dos autos, de que constam as passagens do recurso da decisão da 1.ª instância para o Tribunal da Relação com possível relevância para um recurso de constitucionalidade), o que comporta a ausência de legitimidade por parte do recorrente para vir agora reagir perante este Tribunal [cfr. os artigos 71.º, n.º 1, e 72.º, n.º 1, alínea b) , e n.º 2, da LTC]; (ii) depois, porque a interpretação normativa em causa não constituiu ratio decidendi da decisão recorrida. De facto, a essa decisão, e já assim à de 1.ª instância por ela confirmada, não presidiu uma interpretação segundo a qual a mera subsunção das circunstâncias do caso numa das hipóteses contempladas no n.º 2 do artigo 132.º do CP, sem uma ponderação das mesmas à luz do conceito de «especial censurabi- lidade ou perversidade» previsto no n.º 1 do mesmo preceito, permite a qualificação de um homicídio. Bem diversamente, aquelas decisões cuidam de articular esse conceito com a (por si considerada como verificada) utilização de meio insidioso. A decisão recorrida afirma que é da «imagem global do facto» e das «refrações de personalidade desvaliosa» nele projetadas, que não exclusivamente da subsunção das circunstâncias do caso no exemplo-padrão, que se extrai a conclusão de que o arguido agiu «com especial censurabilidade». Saber se tal articulação se mostra ou não correta em face do direito ordinário aplicável é, por outro lado, questão cuja apreciação estaria também vedada a este Tribunal, dado que não consistiria numa avaliação da conformidade de um enunciado normativo ordinário com um parâmetro constitucional, mas numa sindi- cância dos concretos termos em que o direito ordinário foi aplicado ao caso e, portanto, numa sindicância da decisão recorrida enquanto tal. 7. O objeto material do presente recurso vem reportado às «normas» do n.º 1 e do n.º 2, alínea i) , do artigo 132.º do CP. No requerimento de recurso, o recorrente parece imputar excessiva vagueza tanto ao con- ceito de «especial censurabilidade ou perversidade», previsto no n.º 1, como ao de «meio insidioso», previsto na alínea i) do n.º 2 desse preceito. Porém, de uma análise dessa peça processual, informada pela (naturalmente mais desenvolvida) argu- mentação aduzida já em sede de alegações, conclui-se que o recorrente não centra o seu recurso no primeiro conceito. De facto, o recorrente não contesta o facto de a qualificação do homicídio coenvolver um tipo orientador de teor genérico (a «especial censurabilidade ou perversidade»). Antes alega que o tipo indiciador que o deveria concretizar (o «meio insidioso») é, ele próprio, genérico. É o que resulta do requerimento de recurso e, por exemplo, da conclusão 4 das alegações, quando aí se afirma (interpolações e sublinhado nossos): «o que não é compatível com o princípio da legalidade penal, é procurar delimitar cláusulas gerais (ainda que referentes à culpa) [no caso, a da «especial censurabilidade ou perversidade»] fazendo apelo a conceitos vagos, indeterminados ou imprecisos (mesmo que também estes referentes à culpa) [no caso, o de «meio insidioso»], sob pena da respetiva delimitação se tornar absolutamente desnecessária. Se se procura precisar um conceito com outro que constitui uma imprecisão, não há precisão possível, não há determi- nação, nem possível se torna a determinabilidade num prisma de objetividade controlável.». Em suma, no entender do recorrente, é a «imprecisão» do inciso «outro meio insidioso» o fator decisivo para que se não ache respeitada a exigência de determinação imanente ao princípio da legalidade criminal.
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