TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

181 acórdão n.º 20/19 5. As dúvidas de constitucionalidade apenas existem, nos casos em que para a qualificação do crime há um apelo directo e exclusivo à cláusula geral, não sendo convocada, nem sendo a situação de alguma forma validamente enquadrável, em qualquer das alíneas do n.º 2. 6. Ora, na situação dos autos, o recorrente foi condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, porque se considerou, fundamentadamente, que se verificava a especial censurabilidade ou perversi- dade (cláusula geral), uma vez que tinha sido utilizado pelo agente um meio insidioso (o exemplo-padrão constante da alínea i) , do n.º 2), dizendo-se expressa e inequivocamente que a factualidade provada preenchia, “sem dúvida, a circunstância qualificadora da alínea i) , do n.º 2, do artigo 132.º do Código Penal”. 7. Naturalmente que não cabe nas competências do Tribunal Constitucional averiguar se, perante as circuns- tâncias concretas do caso, foi utilizado pelo agente um meio qualificável como insidioso. 8. Termos em que deve negar-se provimento ao recurso.» Cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação Delimitação do objeto do recurso 6. O recorrente solicita a fiscalização da constitucionalidade de duas normas extraíveis do artigo 132.º, n.º 1, e n.º 2, alínea i) , do CP, que estabelece o seguinte: «Artigo 132.º (Homicídio qualificado) 1. Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de doze a vinte e cinco anos. 2. É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente: (...) i) Utilizar veneno ou qualquer outro meio insidioso; (...).» Contende o recorrente, em primeiro lugar, que são inconstitucionais as «normas contidas no n.º 1 do artigo 132.º do Código Penal e da alínea i) do n.º 2, do mesmo preceito legal, por violação do n.º 1 do artigo 29.º da CRP – Princípio da legalidade e seu corolário primeiro, princípio da tipicidade, postulando a exigência de normas penais certas – nullum crimen nulla poena sine lege certa , exigências incompatíveis com a descrição do comportamento punitivo mediante cláusulas gerais, conceitos indeterminados, vagos, ou de tal forma imprecisos que postulem, por banda do Magistrado uma densificação conceitual tal, que não pode deixar de colidir com a reserva legislativa (garantia penal). (...) O princípio da tipicidade não consente que uma sanção penal seja aplicada mediante recurso a conceitos vagos como especial censurabilidade ou perver- sidade resultante da utilização de meio insidioso». Já em sede de alegações, o recorrente ampliou o âmbito do recurso, pronunciando-se sobre uma outra possível questão de constitucionalidade. O recorrente colocou aí também em crise a «interpretação que o Aresto recorrido faz do mesmo normativo legal» [ sc. dos artigos 132.º, n. os 1 e 2, alínea i) , in fine ], segundo a qual é admissível «o funcionamento automático de um qualquer “exemplo-padrão” contido nas várias alí- neas do n.º 2, do art.º 132.º do CP ( in casu , o meio insidioso) para qualificar, ipso facto , o homicídio como especialmente censurável ou perverso”». No requerimento de recurso havia já uma alusão a esta questão. Essa alusão, porém, não se configurou como uma autónoma questão de constitucionalidade, assumindo-se antes

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