TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
180 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL indicativo de que o homicídio não será qualificado; outro efeito indiciador, desta feita positivo, postulando que a inclusão do homicídio no leitbild de qualquer exemplo-padrão, inculca o efeito indiciário da especial censurabili- dade ou perversidade e da correspondente qualificação do homicídio. 38. Este efeito indiciador positivo pode, no entanto, ser afastado por outras circunstâncias que impeçam a consideração do homicídio como especialmente censurável ou perverso. 39. O que a verificação do efeito indiciador positivo não desobriga, é que o intérprete efetue uma análise do caso concreto, para poder concluir se naquele particular homicídio não concorreram contra motivações, ou se não estiveram presentes outras causas que pudessem afastar o dito efeito indiciador. Não basta assim, que se tenha verificado a circunstância, por exemplo, a utilização de um meio insidioso, para que se conclua pela existência de um homicídio qualificado, que só o será quando, conjugado com as demais circunstâncias, tal agir revele especial censurabilidade ou perversidade do agente. 40. O julgador terá pois, de demonstrar que no caso concreto, à utilização de meio insidioso não se sobrepõem ou não concorrem outras causas ou motivos que possam contrariar esse efeito indiciador, só então lhe sendo permi- tido concluir pela especial censurabilidade ou perversidade, na medida em que o fator da qualificação não resulta da verificação de nenhuma circunstância, “… sendo antes revelado pelo tabelar robustecimento e exasperação da culpa, traduzidos em especial censurabilidade ou perversidade, que a circunstância é capaz de revelar em cada caso concreto.” 41. Não bastará assim, dizer-se, que sem dúvida o agente atuou, por exemplo, de forma insidiosa – descre- vendo-se o que se entende por insídia, conduta ou meio insidioso – e concluir-se que o homicídio é qualificado porque assim, revela especial censurabilidade ou perversidade, fazendo-se apelo ao conteúdo que a Doutrina e a Jurisprudência vêm entendendo como conformador interpretativo de tais cláusulas. 42. A forma como o Tribunal a quo interpretou a cláusula de especial censurabilidade ou perversidade, o tipo incriminador do n.º 1, do art.º 132.º, do C.P. fazendo apelo tão-só à existência da circunstância agravante que entende ter-se por preenchida e que, como tal, demostra por si só, de forma clara (dir-se-ia, de forma automática), a atitude profundamente distanciada do arguido, vale por dizer, a especial censurabilidade (ou perversidade) é violadora do princípio da legalidade penal. Termos em que, sempre com o mui douto suprimento, se requer de V. Excelências, Senhores Juízes Conse- lheiros, declarem a inconstitucionalidade da interpretação colhida no Acórdão recorrido por inconstitucionalidade material das normas conjugadas dos artigos 132.º, n. os 1 e 2, al. i) , in fine (“meio insidioso”), por violação do prin- cípio da legalidade e da sua decorrência primeira – princípio da tipicidade (art.º 29.º, n. os 1 e 3, da CRP) e ainda a declaração de inconstitucionalidade da interpretação que o Aresto recorrido faz do mesmo normativo legal, por não poder aceitar-se o funcionamento automático de um qualquer “exemplo-padrão” contido nas várias alíneas do n.º 2, do art.º 132.º do C.P. ( in casu , o meio insidioso) para qualificar, ipso facto , o homicídio como especialmente censurável ou perverso, sob pena de violação do princípio da legalidade e dos seus corolários, princípio expresso no n.º 1, do art.º 29.º da Lei Fundamental.» 5. O Ministério Público contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões: «1. Na construção do tipo do homicídio qualificado (artigo 132.º do Código Penal), o legislador adoptou a técnica dos exemplos-padrão. 2. Existe, pois, uma cláusula geral (n.º 1) que fixa a pena de 12 a 25 anos para os casos em que a morte foi produzida “em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade”. 3. Esta cláusula geral é concretizada através de exemplos-padrão constantes das diversas alíneas do n.º 2. 4. Esta técnica legislativa, em si mesma, não viola o princípio da legalidade (artigo 29.º, n.º 1 e 3 do Código Penal).
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