TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
178 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 24. Em suma: em contraponto com a utilização do veneno na causação da morte, a utilização de qualquer outro “meio insidioso” atenta a elasticidade com que vem sendo interpretado, com as nuances que o emolduram, já quase perdeu a parentalidade, parentesco ou mesmo a afinidade. 25. Tal alargamento, vale por dizer, tal indefinição conceptual, chega mesmo a “esbarrar” com a configuração que o legislador veio a traçar noutros “exemplos-padrão”, mormente na atual redação, a al. h) : é evidente que se o meio é insidioso, impossibilitando ou dificultando a defesa da vítima é, simultaneamente, um meio especialmente perigoso na sua aptidão para produzir a morte, independentemente de objetivamente o ser, e independentemente da fragilidade da vítima – al. c) , do n.º 2, da norma em apreço. 26. Sempre ressalvada mais douta opinião, crê o recorrente não ser compatível com o princípio da legalidade penal a utilização de um conceito tão vago para fundar a responsabilidade criminal do agente, que permite um alargamento interpretativo de tal modo vasto, que no “meio insidioso” possam caber toda a sorte de formas, proces- sos, condutas, comportamentos ou meios com aptidão para matar – perigo que sempre resulta da utilização de um conceito indeterminado como este -, pois, de outro modo, seria redundante o alargamento dos exemplo-padrão que posteriormente foram sendo aditados ao n.º 2, do art.º 132.º, do C.P., mormente a utilização de meio parti- cularmente perigoso (que, precisamente por o ser, dificulta a defesa da vítima), ou a caracterização de vítimas par- ticularmente indefesas que, por definição, independentemente do meio utilizado são presas fáceis dos agressores. 27. A utilização deste conceito indeterminado na descrição do exemplo padrão vertido na al. i) do n.º 2, do art.º 132.º, do C.P., tem gerado (como seria expectável, embora indesejável) a maior disparidade de decisões judi- ciais no que a este particular concerne, fazendo com que a lei penal fundamentadora ou agravadora da responsabi- lidade não seja uma lei certa, nem determinada, exigindo-se do magistrado um exercício de densificação conceptual que ultrapassa a liberdade que a interpretação da lei penal incriminadora lhe concede. 28. O aludido alargamento interpretativo conceitual a que vimos fazendo referência é assim, no entendimento do recorrente, um processo de determinação da norma que se reputa inconstitucional, porquanto não se trata ape- nas de uma questão de grau ou quantitativa, mas antes “…de uma questão de grau que se transforma numa questão de qualificação: a famosa mudança de quantidade em qualidade”. 29. Salientem-se a título de ilustração, os seguintes arestos dos nossos Tribunais Superiores, em torno da integração interpretativa, não raro conflituante e até mesmo antagónica, do conceito de “meio insidioso”, que só a respetiva vacuidade consente e cujo sumários e comentários supra se elencaram: O Ac. do STJ, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/0/9142d89f21dc96da80256cdb0035b717?OpenDocument; o Ac. do STJ, de 27/04/1997, no processo n.º 45.757; o Ac. do STJ de 02/12/2015, da 3.ª secção, de que foi Relator Armindo Monteiro, no Pro- cesso n.º 1.730/14.5 JAPRT – S1; O Ac. do STJ, da 3.ª sessão, de 12/09/2013, no processo n.º 680/11.1GDALM. L1.S1, de que foi Relator Pires da Graça; O Ac. do TRP, de 02/07/86, in BMJ, pp. 359-775; O Ac. do STJ de 11/06/1987, in BMJ, pp. 368-412; O Ac. do STJ de 14/04/1994, in Acs. STJ II, 1, p. 263; O Ac. do STJ, de 29/10/97, no processo n.º 1081/97; o Ac. do STJ, de 11/12/97, no processo n.º 150/97; O Ac. do STJ, de 28/10/93, no processo n.º 44.698; O Aresto do STJ, de 12/03/2015, no processo n.º 185/13.6 GCALQ.L1.S.1, de que foi Relator Maia Costa; 30. Demonstrativa da elasticidade interpretativa que o conceito em análise vem postulando, saliente-se o seguinte Ac. do STJ, da 3.ª secção, de 30/11/2011, de que foi Relator Raúl Borges, cujo sumário se transcreve: “I – As circunstâncias contempladas no n.º 2 do art. 132.º do CP não são taxativas, nem implicam só por si a qualificação do crime; tais circunstâncias não são elementos do tipo e antes elementos da culpa, não sendo o seu funcionamento automático. II – A noção de meio insidioso não é unívoca, girando sempre à volta de uma ideia que envolve elementos materiais e circunstanciais, estes ligados a uma certa imprevisibilidade da ação. Por outras palavras, poderá dizer-se que a subsunção não pode ficar-se por uma interpretação que se quede pela consideração apenas do meio utilizado, da forma como é executado o facto, atendendo à natureza do instrumento, mas antes tendo em consideração uma visão mais abrangente, completa, em que entra a imagem global do facto, o que é dizer no caso, apreciar os factos na sua globalidade, analisar a conduta no seu conjunto, avaliar a atitude
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