TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
174 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O que se pretende abranger são aqueles casos em que se usam meios particularmente perigosos ou incomuns de agressão, bem assim como aqueles outros em que são utilizados meios ou expedientes com uma relevante carga de perfídia, situações em que a defesa por parte da vítima se toma muito difícil ou mesmo impossível. O meio insidioso, justamente por sê-lo, não poderá deixar de ser também especialmente perigoso, justamente por causa da dissimulação e, portanto, da sua acrescida capacidade de eficiência por via da natural não oposição de qualquer resistência por parte da vítima que, em regra, perante a insídia, nem sequer suspeitará de que está a ser atingida. No caso vertente, a atuação criminosa de que veio a resultar a tentativa de morte do ofendido B. reveste-se, sem margem para qualquer dúvida, daquele ocultismo em regra associado e preponderante na caracterização do típico caso de insídia, como por exemplo acontece no envenenamento. A insídia não poderá ver-se desligada da resolução e subsequente atuação criminosa do agente, na medida em que, tratando-se de um procedimento oculto, justamente porque destinado a obter o resultado sem o conheci- mento da vítima e sem que ela de nada se aperceba. E só o meio usado com vista ao resultado querido pelo arguido deve ser valorado, ou não, como oculto, não já a intenção do agente que, em regra, o será sempre, na insídia ou fora dela. No caso vertente, a atuação criminosa praticada pelo arguido A., acima descrita, encerrou o ocultismo, a insídia, a que se alude na al. i) do art. 132.º do Cód. Penal, sendo a este propósito de ponderar que o arguido se aproximou repentinamente e pelas costas do ofendido, e, encontrando-se de costas para este, colocou o seu braço esquerdo em torno do pescoço do ofendido, realizando uma “gravata”, após o que desferiu duas pancadas com o martelo, totalmente em ferro, que trazia na sua mão direita, na cabeça do ofendido, dúvidas não se suscitando em como o arguido levou a cabo um ataque súbito e sorrateiro, atingindo a vítima descuidada e desprevenida, e, por isso, indefesa, numa situação em que lhe era de todo impossível esboçar uma qualquer defesa, por não suspeitar que ia ser atingida. O arguido procurou, pois, uma forma encoberta ou traiçoeira de executar o facto, com vista a que a vítima não tivesse qualquer possibilidade de defesa, configurando-se, pelo exposto, tal atuação como aleivosa, traiçoeira e desleal, constituindo, consequentemente, o comportamento do arguido, dada como provado, a que é feita menção nos pontos 3. a 6. da Matéria de Facto Provada, um meio insidioso. A factualidade provada preenche, sem dúvida, a circunstância qualificadora da al. i) do n.º 2 do art. 132.º do Cód. Penal. Fica, pois, claramente demonstrada a atitude profundamente distanciada do arguido e o seu desrespeito radical pelos valores de uma sociedade assente na dignidade da pessoa humana e em que o primeiro direito fundamental é o da vida. A sua atitude, sendo reveladora de uma maior culpa, é, por isso, passível de um mais intenso juízo de censura- bilidade ético-jurídico. Assim, em conclusão, da definição da imagem global do facto resulta patente que o arguido A. agiu com espe- cial censurabilidade, pelo ataque aleivoso e traiçoeiro que empreendeu, e que vitimou o ofendido B.. Verifica-se, assim, que no facto se projetam refrações de personalidade desvaliosa, existindo ainda um especial “desvalor de atitude” do arguido; o crime de homicídio é, pois, qualificado, nos termos do art. 132.º, n. os 1 e 2, al. i) do Cód. Penal.» 2. No seu recurso de constitucionalidade, o recorrente apresentou as seguintes conclusões: «1. A parte final da alínea i) do n.º 2 do artigo 132.º do código penal viola a constituição. 2. Não respeita o princípio da legalidade e tipicidade consagrado no n.º 1 do artigo 29.º da lei fundamental. 3. A técnica dos exemplos-padrão pode ser tida como compatível com a exigência constitucional. 4. Mas a alusão a “qualquer outro meio insidioso” não se traduz num exemplo. 5. É antes cláusula geral, conceito indeterminado ou noção vaga de conteúdo elástico, com limites incertos.
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