TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
173 acórdão n.º 20/19 Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, o primeiro veio interpor recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) , da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que manteve a decisão da 1.ª instância que condenou o arguido em pena de 6 (seis) anos de prisão pela prática, na forma tentada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pela interpretação conjugada dos artigos 22.º, 23.º, 73.º, 131.º e 132.º, n. os 1 e 2, alínea i) , do Código Penal (CP). É a seguinte, para o que aqui releva, a fundamentação constante da decisão recorrida: «(...) A censurabilidade de que fala o preceito do n.º 1 do art. 132.º do Cód. Penal constrói-se sobre um grau agra- vado de reprovabilidade, em termos de culpa revelado por circunstâncias de tal modo graves “que refletem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores”, na teorização de Teresa Serra – Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena , Livraria Almedina, 1998 (2.ª reimpressão), pp. 63. A especial censurabilidade reflete-se na “refração ao nível do agente de formas de realização do facto espe- cialmente desvaliosas; a especial perversidade refere-se à documentação no facto de qualidades da personalidade especialmente desvaliosas”, (...) Dito isto, vejamos se no caso concorrem as qualificativas indicadas na acusação pública [das als. h) e i) do n.º 2 do art. 132.º]. E, desde logo, não poderemos deixar de concluir em sentido afirmativo, ainda que, unicamente, em relação a uma delas. (...) Importa agora indagar se se verifica o preenchimento da circunstância da al. i) do n.º 2 do art. 132.º do Cód. Penal. Relativamente ao emprego, pelo arguido, de meio insidioso, a que é feita menção nesta alínea, cabe agora referir que este, o meio insidioso, é o meio dissimulado na sua intenção maléfica. É o meio fraudulento ou sub- -reptício por si mesmo, como por exemplo, as armadilhas, os venenos físicos (vidro moído, limadura metálica, germes patogénicos, etc.), a traição (ataque súbito e sorrateiro, atingindo a vítima descuidada ou confiante, antes de perceber o gesto criminoso), a emboscada (dissimulada espera da vítima em lugar por onde terá de passar), a simulação (ocultação da intenção hostil, para acometer a vítima de surpresa). São enquadráveis neste exemplo-padrão aqueles casos em que o agente age com falsas mostras de amizade, ou de tal modo que a vítima, iludida, não tem motivo para desconfiar do ataque e é apanhada desatenta e indefesa. O fundamento da agravação radica no facto de se utilizarem meios que, dado o seu carácter enganador, sub- -reptício, dissimulado ou oculto, tornam especialmente difícil a defesa da vítima ou arrastam consigo o perigo de lesão de uma série indeterminada de bens jurídicos – neste sentido, cfr. Fernanda Palma, Direito Penal Especial, Crimes contra as Pessoas , 1983, pp. 65; e Jorge de Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal , Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pp. 38 e 39. De tudo resulta, assim, que quando a lei fala em meio insidioso não quer necessariamente abranger os ins- trumentos usuais de agressão, como por exemplo, o ferro, o pau, a faca, a pistola, mesmo que usados de surpresa – neste exato sentido, cfr. Ac. STJ, de, relatado por Castro Ribeiro, in CJSTJ , 1995, t. III, pp. 255 a 260; e, em sentido idêntico, Leal Henriques e Simas Santos, ob. cit ., pp.47.
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