TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
168 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Mas pode legislar sem necessidade de autorização da Assembleia da República fora desse regime geral, isto é, sobre tudo o que não seja a definição da natureza do ilícito, dos tipos de sanções aplicáveis e dos seus limites. É esta a jurisprudência do Tribunal Constitucional que se tem repetidamente pronunciado sobre a questão das competências da Assembleia da República e do Governo em matéria do ilícito de mera ordenação social ( v. g. , entre muitos outros, Acórdão n.º 56/84 in Acórdãos do Tribunal Constitucional , vol. 3.º, p. 153; Acórdão n.º 74/95 in Diário da República , II Série, de 12 de junho; Acórdão n.º 110/95, in Diário da República , II Série, de 21 de abril). Neste último aresto, o Tribunal (chamado a pronunciar-se numa situação semelhante à dos presentes autos) apreciou a constitucionalidade de normas do Regulamento dos Resíduos Sólidos da Cidade de Lisboa constante de Edital Camarário n.º 112/90, in Diário Municipal de 28 de dezembro de 1990, que puniam a contraordenação consistente no despejo de entulhos de construção civil em qualquer área pública daquele município com uma coima com um limite mínimo de (então) 40 000$00 por metro cúbico ou fração. Aí se escreveu: “Este Tribunal vem considerando integrar-se na competência legislativa concorrente da Assembleia da República e do Governo a criação ex novo de contra-ordenações ou a conversão em contraordenações de anteriores contravenções puníveis com pena não restritiva de liberdade e, bem assim, a fixação da respetiva punição. Quanto a este último ponto, porém, tem-se entendido que, sob pena de inconstitucionalidade, o Governo não pode ultrapassar o regime geral de punição fixado no Decreto-Lei n.º 433/82, o que significa que não pode fixar à coima um limite mínimo inferior nem um limite máximo superior aos fixados no artigo 17.º daquela lei-quadro. Pode, no entanto, fixar às coimas limites mínimos superiores ou limites máximos inferiores aos fixa- dos pelo mencionado artigo 17.º (cfr., neste sentido, os Acórdãos deste Tribunal n. os 305/89, 428/89, 324/90, 435/91, 447/91 e 314/92 – publicados no Diário da República , 2.ª série, de 12 de junho e 15 de setembro de 1989, 19 de março de 1991, 24 de abril de 1992, 1.ª série de 11 de janeiro de 1992 e 2.ª série de 1 de março de 1993, respetivamente – e os Acórdãos n. os 355/92, 385/93 e 424/93, ainda inéditos). O mesmo raciocínio é aplicável às coimas estabelecidas pelas autarquias no âmbito dos seus poderes de normação, havendo apenas que ter em conta (quanto ao limite máximo) o preceituado no artigo 21.º da lei n.º 1/87, de 6 de janeiro, atrás citado.” Desta jurisprudência, que aqui se reitera, resulta, desde logo, e em contrário do decidido, que a Câmara Muni- cipal do Machico tem competência para aprovar um regulamento onde se preveja como contraordenação o despejo de entulhos de construção civil ou terras em terrenos de propriedade privada sem prévio licenciamento municipal, consentimento do proprietário e sem prejuízo de terceiros, a tal se não opondo o disposto no artigo 168.º, n.º 1, alínea d), da Constituição.» 14.4. Pelo que antecede, é de concluir não se mostrar desrespeitada a reserva de competência legislativa cometida à Assembleia da República pela alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º Vimos que dispõe o artigo 165.º, n.º 1, alínea d) , da CRP que é da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre o regime geral de punição das infrações discipli- nares, bem como dos atos ilícitos de mera ordenação social e do respetivo processo. Atento o âmbito normativo da reserva material de competência ali estabelecido, na interpretação seguida na jurisprudência do Tribunal Constitucional – e, bem assim, na doutrina constitucionalista – a mera cria- ção ex novo de ilícitos contraordenacionais e a respetiva sanção não atentam contra a reserva parlamentar de legislação nesta matéria. Transposta esta conclusão – primeiramente alcançada a propósito da delimitação da competência legis- lativa concorrencial entre a Assembleia da República e o Governo – para o poder de normação próprio das autarquias locais, em especial, municipal, a previsão em regulamento autárquico de uma contraordenação e da respetiva coima não configura uma inconstitucionalidade orgânica, como sustentado na decisão recorrida.
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