TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
166 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Assim sendo, a análise da questão de inconstitucionalidade orgânica colocada deve centrar-se na res- posta ao problema de se ponderar se – não obstante o que ficou dito quanto à competência concorrencial do Governo e da Assembleia da República na definição (em concreto) de ilícitos contraordenacionais e respetivas coimas – ocorre a invasão da reserva parlamentar prevista no artigo 165.º, n.º 1, alínea d) , da Constituição perante a emissão de regulamentação municipal no domínio sancionatório contraordenacional. Pode, desde já, adiantar-se que da jurisprudência do Tribunal Constitucional resulta que o entendi- mento reiteradamente seguido quanto ao âmbito da reserva de competência legislativa da Assembleia da República e da consequente delimitação das matérias incluídas na competência legislativa concorrente do Governo e da Assembleia da República – como será o caso da definição de novas contraordenações e o esta- belecimento da respetiva sanção (desde que no respeito pelo regime geral e pelo processo definido por lei ou decreto-lei autorizado) – foi transposto para o quadro da análise da questão de competência dos municípios para, por via de regulamentos locais, definirem os ilícitos contraordenacionais e as sanções aplicáveis, desig- nadamente, as coimas correspondentes àqueles ilícitos. E, assim, desde logo no Acórdão n.º 110/95, o problema foi trazido ao Tribunal Constitucional, questio- nando-se então o respeito pela reserva legislativa parlamentar contida no artigo 165.º (então 168.º), n.º 1, alínea d) , da CRP, perante a previsão, com uma determinada moldura, de uma coima estabelecida no Regulamento (Municipal) de Resíduos Sólidos da Cidade de Lisboa. Assim se ponderou no referido Acórdão n.º 110/95: «3.1. – Este Tribunal já teve oportunidade, em numerosos arestos, de abordar a questão de fundo, traçando a linha de demarcação das competências da Assembleia da República e do Governo em matéria de ilícito de mera ordenação social e respetivo processo. O artigo 168.º, n.º 1, alínea d) , da Constituição (versão de 1982) dispunha como segue: “ 1 – É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: [...] d) Regime geral de punição [...] dos actos ilícitos de mera ordenação social [...].” Significa isto que o Governo só pode editar normas que façam parte do Regime Geral das Contraordenações, munido de autorização legislativa. Mas pode legislar sem necessidade de autorização da Assembleia da República fora desse regime geral – isto é, sobre tudo o que não seja a definição da natureza do ilícito, dos tipos de sanções aplicáveis e dos limites destas. No Acórdão n.º 56/84 deste Tribunal resumiram-se assim as “ideias conclusivas essenciais no que toca ao exercício do poder legislativo pela Assembleia da República e pelo Governo em matéria de direito sancionatório público”, no domínio da versão da Constituição resultante da primeira revisão constitucional (e que ainda hoje mantém plenamente a sua validade, por não ter havido aí qualquer alteração na segunda revisão constitucional): “É da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo (e admitindo hipoteticamente a subsistência constitucional da figura da contravenção): a) Definir crimes e penas em sentido estrito, o que comporta o poder de variar os elementos constitutivos do facto típico, de extinguir modelos de crime, de desqualificá-los em contravenções e contraordenações e de alterar as penas previstas para os crimes no direito positivo; b) Legislar sobre o regime geral de punição das contraordenações e contravenções e dos respetivos processos; c) Definir contravenções puníveis com pena de prisão e modificar o quantum desta. É da competência concorrente da Assembleia da República e do Governo (e na mesma linha de hipotética sobrevivência constitucional do tipo contravencional):
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