TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

165 acórdão n.º 19/19 Em concreto, haverá que apurar se a reserva de competência abrange somente a disciplina do diploma geral – escapando-lhe, assim, a regulação dos processos contraordenacionais especiais – ou se as normas processuais contraordenacionais especiais (como as que estabelecem os efeitos à interposição de recurso) apenas são deixadas à competência concorrente do Governo e da Assembleia da República na estrita medida em que não divirjam do regime geral. A resposta a tal questão não suscita, hoje, particulares hesitações: quando a Constituição reserva ao Parlamento apenas o regime geral – conforme decorre da alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição –, não apenas está a permitir a existência de «regimes especiais que podem ser definidos pelo Governo» (cfr. Gomes Canotilho/ Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. II, 4ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 325), como a colocar fora da reserva relativa da Assembleia da República a definição da concreta entidade administrativa à qual é cometida, em cada domínio, a competência para sancionar ilícitos contraordenacionais (cfr. Acórdão n.º 237/03). Ora, é justamente nesta ordem de ideias que o Tribunal Constitucional vem afirmando que o domínio de reserva da competência legislativa parlamentar é o da definição da natureza do litígio, do tipo de sanções e seus limites máximo e mínimo, bem como das regras gerais do processo (por exemplo, cfr. Acórdãos n.º 74/95 e n.º 175/97), deixando-se à competência concorrente do Governo a definição de cada infração e a cominação da sanção respetiva. A criação de novos tipos de ilícito contraordenacional encontra-se suportada pela competência concorrencial do Governo, não transgredindo, portanto, em si mesma, a reserva de competência parlamentar (cfr. Acórdãos n. os  56/84, 158/92, 578/09, 374/13). Sintetizando tal orientação, prevalecente na jurisprudência constitucional em matéria de competência legisla- tiva do Governo no domínio contraordenacional, escreveu-se no Acórdão n.º 274/12 o seguinte: “Conforme dispõe o artigo 165.º, n.º 1, alínea d) , da Constituição, inclui-se na reserva legislativa parla- mentar, a definição do regime geral dos atos ilícitos de mera ordenação social. Relativamente a esta questão, o Tribunal Constitucional tem firmado jurisprudência no sentido de que apenas é matéria de competência reservada da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre o regime geral do ilícito de mera ordenação social e do respetivo processo, ou seja, sobre a definição da natureza do ilícito contraordenacional, a definição do tipo de sanções aplicáveis às contraordenações, a fixação dos limites das coimas e a definição das linhas gerais da tramitação processual a seguir para a aplicação concreta de tais sanções. Assim, dentro dos limites do regime geral, pode o Governo, no exercício da sua competência legislativa concor- rente, criar contraordenações novas e estabelecer a correspondente punição, modificar ou eliminar contraorde- nações já existentes e moldar regras secundárias do processo contraordenacional (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 56/84, 158/92, 269/87, 345/87, 412/87, 175/97, 236/03 e 578/09, acessíveis na Internet, como os restantes acórdãos que a seguir se referem sem outra menção, em www.tribunalconstitucional.pt )”. » 14.3. No caso dos autos, está, porém, em causa a constitucionalidade de normas contidas num diploma regulamentar aprovado pela Assembleia Municipal de Cascais (RUEM), as quais definem um ilícito con- traordenacional e estabelecem a respetiva sanção, por via da aplicação de uma coima, de acordo com a moldura estabelecida. Com efeito, das normas constantes dos artigos 37.º, e 77.º, n.º 1, alínea j), e n.º 2, do RUEM de Cascais (Regulamento n.º 78/2013, de 8 de março) decorre que o desrespeito da obrigação de prévia comunicação à Câmara Municipal do início dos trabalhos pelo promotor das obras constitui uma contraordenação punível com uma coima graduada entre o mínimo de 100 euros e o máximo de 2 500 euros, no caso de pessoa singular, ou entre o mínimo de 250 euros e o máximo 20 000 euros, no caso de pessoa coletiva – montantes estes que respeitam os limites mínimos e máximos das coimas estabelecidos no regime especial estabelecido no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, aprovado ao abrigo da Lei de autorização legislativa n.º 110/99, de 3 de agosto.

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