TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

164 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 14.1. Concluiu a decisão recorrida ter ocorrido uma invasão da reserva de competência legislativa da Assembleia da República quando o município, por via regulamentar, estabeleceu um ilícito contraordena- cional e as coimas associadas. Com efeito, convoca expressamente a decisão judicial recorrida o disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea d) , da Constituição da República Portuguesa (CRP), como fundamento da alegada inconstitucionalidade orgânica das normas regulamentares em crise, considerando ocorrer violação da reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República. Assim, para avaliar se o poder normativo local, tal como exercido, plasmado nas normas ora sindicadas, afronta a reserva de competência da Assembleia da República, é necessário compreender o âmbito da reserva legislativa parlamentar em causa, ou seja, o que se entenda incluído na norma constitucional alegadamente preterida em matéria de contraordenações. Dispõe a Constituição, no artigo 165.º, n.º 1, alínea d) (sob a epígrafe «Reserva relativa de competência legislativa»), que é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: regime geral de punição das infrações disciplinares, bem como dos atos ilícitos de mera ordenação social e do respetivo processo. Da análise de conjunto das matérias elencadas no n.º 1 do artigo 165.º da CRP sempre resulta que o legislador constituinte (e de revisão) estabeleceu diferentes níveis materiais da reserva de competência legisla- tiva da Assembleia da República ( in casu , relativa, admitindo-se a autorização parlamentar ao Governo para legislar nas matérias elencadas, nos moldes regulados nos n. os 2 e seguintes do mesmo artigo), estabelecendo, nalguns casos, caber à Assembleia da República a definição de todo o regime legislativo da matéria em causa, ou seja, incluindo-a in totum na reserva de competência da Assembleia da República, para, noutros, limitar o âmbito da reserva de competência legislativa parlamentar às «bases gerais» ou ao «regime geral» de determi- nada ou determinadas matérias (cfr. J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portu- guesa Anotada – artigos 108.º a 296.º, Volume II, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, Ano- tação ao artigo 165.º, IV a VI, pp. 325-327; Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , Volume II, Organização Económica, Organização do Poder Politico, artigos 80.º a 201.º, 2.ª edição, Lisboa, UCP, 2018, anotação ao artigo 164.º, III, p. 529 e anotação ao artigo 165.º, em especial IV, pp. 545-546). Ora, em matéria de direito disciplinar e de mera ordenação, a cláusula de reserva relativa prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, invocada como fundamento determinante de inconstitu- cionalidade nos presentes autos, comete à normação da Assembleia apenas o «regime geral» (e o processo) dos atos ilícitos de mera ordenação social (vide J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada – artigos 108.º a 296.º, Volume II, 4.ª edição revista, cit. , p. 328). Assim sendo, e reportando-se o pedido de apreciação da constitucionalidade das normas sub judice à violação das regras de competência legislativa em matéria de ilícitos de mera ordenação social, cumpre, compreender o significado e alcance da matéria integrada na reserva prevista naquela alínea d) , bem como os seus limites. 14.2. Sobre o âmbito desta reserva legislativa parlamentar, contida na alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, teve o Tribunal Constitucional, em vários recursos, a oportunidade de se pronunciar. A jurisprudência constitucional afrontou a questão do âmbito da reserva de competência legislativa em causa fundamentalmente no âmbito das relações entre os poderes legislativos da Assembleia da República e do Governo, de forma a encontrar o critério constitucional de distribuição das competências de normação em matéria de direito contraordenacional a estes órgãos de soberania. Da vasta jurisprudência produzida dá-nos conta a síntese feita no recente Acórdão n.º 394/18 (disponí- vel, bem como os demais citados, e m www.tribunalconstitucional.pt ): «8. Estando em causa a amplitude da autonomia legislativa do Governo no domínio contraordenacional, a questão a que cumpre responder, em face da alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, consiste em deter- minar o âmbito do regime geral sujeito à reserva relativa da Assembleia da República.

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