TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

162 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Esta exigência formal tem um fundamento material importante, relacionado com o princípio democrático e com a supremacia da lei, expressão do poder democrático do legislador da República, sobre os regulamentos admi- nistrativos. De facto, «ao impor o dever de citação da lei habilitante, o que a Constituição pretende é garantir que a subordinação do regulamento à lei (e, assim, a precedência da lei relativamente a toda a atividade administrativa) seja explícita (ostensiva)» (cfr. Acórdão n.º 375/94, 2.ª Secção, ponto 6). O artigo 112.º, n.º 7, da Constituição é, desta forma, a «expressão do princípio da precedência da lei e, assim, fundamento e parâmetro de validade do exercício do poder regulamentar» (cfr. Acórdão n.º 464/16, 3.ª Secção, ponto 9). Assim, são inconstitucionais «tanto os regulamentos carecidos da necessária habilitação legal como aqueles que não a indiquem expressamente» – os primeiros porque «emitidos sem prévio ato legislativo habilitante são inconstitucionais por violação do prin- cípio da precedência da lei, ínsito no n.º 7 do artigo 112.º da Constituição», os segundos, «que não [a] indiquem expressamente, são formalmente inconstitucionais por violação do disposto na mesma norma constitucional» (cfr. o Acórdão n.º 144/09, 1.ª Secção, ponto 5, citando os Acórdãos n.º 184/89, Plenário, ponto 4.2, e n.º 666/2006, Plenário, ponto 4, respetivamente). Trata-se, por isso, de uma norma transversal, aplicável a todos os regulamentos, independentemente da enti- dade emissora – aplicando-se, pois, também aos regulamentos das autarquias locais. Como referido no Acórdão n.º 76/88, 1.ª Secção, ponto 14: «É, pois, claro, […] que, abrangidos pela regra bidireccional do [n.º 7 do artigo 112.º] da CRP estão todos os regulamentos, nomeadamente os que provenham do Governo […], dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas […], e dos órgãos próprios das autarquias locais […]. Todos esses regulamentos, de um ou de outro modo, estão umbilicalmente ligados a uma lei, à lei que necessariamente precede cada um deles, e que, por força do disposto no [n.º 7 do artigo 112.º] da CRP, tem de ser obrigatoriamente citada no próprio regulamento». De acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional e conforme se pode ler na norma constitucional em causa, esta indicação da lei que se visa regulamentar ou que define a competência objetiva ou subjetiva para sua emissão tem necessariamente de ser expressa, também por decorrência do princípio da segurança jurídica – deve ser claro para o intérprete qual a habilitação legal para a emissão do regulamento, nomeadamente para possibilitar o seu controlo judicial. Nesse sentido, a Constituição não impõe «que a indicação da lei definidora da compe- tência conste de um qualquer trecho determinado do Regulamento» (cfr. Acórdão n.º 357/99, 1.ª Secção, ponto 4), apenas impõe que seja expresso, «recusando deste modo a legitimidade de referências meramente implícitas», tácitas ou indiretas «à base legal autorizante» (cfr. Acórdão n.º 345/01, 1.ª Secção, ponto 5). Efetivamente, «ainda que se pudesse identificar, com elevado grau de probabilidade, as normas legais que habilitavam a aprovação do regulamento em causa […] a verdade é que a inconstitucionalidade formal se mantém, pois a função da exigência da identificação expressa consiste não apenas em disciplinar o uso do poder regulamentar (obrigando o Governo e a Administração a controlarem, em cada caso, a habilitação legal de cada regulamento), mas também em garantir a segurança e a transparência jurídicas, sobretudo à luz da principiologia do Estado de direito democrático (cfr. J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , 3.ª Ed., Coimbra Editora, 1983, p. 516)» (cfr. Acórdão n.º 665/94, 2.ª Secção, ponto 8, citando o Acórdão n.º 160/93, 1.ª Secção, ponto 7). Estabelece-se neste preceito constitucional, assim, na formulação de Gomes Canotilho e Vital Moreira, « (a) a precedência da lei relativamente a toda a atividade regulamentar; (b) o dever de citação da lei habilitante por parte de todos os regulamentos. Esta dupla exigência torna ilegítimos não só os regulamentos carecidos de habilitação legal, mas também os regulamentos que, embora com provável fundamento legal, não individualizem expressamente este fundamento» ( Constituição da Republica Portuguesa Anotada , vol. II, 4.ª edição, 2010, Coimbra Editora, p. 75; cfr. também o Acórdão n.º 188/00, 2.ª Secção, ponto 8). Assim, é claro que «o incumprimento do dever constitucional de citação da lei habilitante num regulamento que contém normas com evidente eficácia externa determina a incons- titucionalidade formal das normas nele contidas» (cfr. Acórdão n.º 212/08, 2.ª Secção, ponto 4).»

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