TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

161 acórdão n.º 19/19 lei) da competência da Assembleia Municipal para estabelecer um ilícito de mera ordenação social e prever as coimas associadas. Do princípio constitucional da autonomia local decorre que a autarquia local corresponde a uma comuni- dade e um poder territorial juridicamente organizados, em termos autónomos, sendo confiados aos seus órgãos representativos a direção e a prossecução dos interesses da comunidade local, que, por seu turno, os elegeu democraticamente. Para o efeito, às autarquias locais devem ser cometidos os meios adequados e eficazes à rea- lização das atribuições próprias e a responsabilidade pelas escolhas efectuadas, podendo, assim, compreender-se na sua autonomia normativa (neste caso, municipal) o exercício de um poder sancionatório próprio. E também assim o legislador ordinário, considerando o poder sancionatório próprio dos municípios como uma manifestação típica da autonomia local, traduziu esse entendimento nas sucessivas leis de enqua- dramento das atribuições e competências autárquicas e nas sucessivas leis financeiras locais ao regular o poder regulamentar dos órgãos autárquicos, e ao prever (ou, pelo menos, admitir, no quadro das receitas munici- pais) o estabelecimento de contraordenações e coimas nos respetivos regulamentos e posturas, pelo que não se afigura sustentável afirmar a inexistência de qualquer habilitação para a regulação municipal em matéria de tipificação de contraordenações e respetivas coimas. 13. Sem prejuízo da conclusão genérica agora alcançada quanto às competências municipais na defini- ção de ilícitos contraordenacionais e respetiva sanção, pode ainda ponderar-se, em concreto, se as questões levantadas na decisão recorrida quanto à virtualidade (ou sua falta) de as (expressamente) invocadas normas legais da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro [os artigos 53.º, n.º 2, alínea a), e 64.º, n.º 6, alínea a) , referentes às competências regulamentares dos órgãos municipais] e do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, que aprova o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (o artigo 3.º, referente à elaboração de regula- mentos municipais da urbanização e edificação) constituírem lei habilitante para a normação plasmada nos artigos 37.º e 77.º, n.º 1, alínea j), e n.º 2, do RUEM de Cascais, constituem matéria sindicável à luz da Constituição. Isto, na medida em se afigura que tais questões – embora a decisão recorrida não o faça expres- samente – possam convocar a ponderação do cumprimento, in casu , do disposto no artigo 112.º, n.º 7, da Constituição e das exigências nele contidas, determinando, se assim não ocorrer, uma eventual inconstitu- cionalidade formal das normas regulamentares em crise. 13.1. O artigo 112.º, n.º 7, da Constituição, sob a epígrafe «Atos normativos», dispõe que os regula- mentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjetiva e objetiva para a sua emissão. Sobre a aplicação do artigo 112.º, n.º 7, da CRP, foi já produzida uma vasta jurisprudência, da qual é dado conta no recente Acórdão n.º 66/18: «7. A questão colocada nos autos prende-se com o cumprimento por parte do Regulamento de Taxas e Licenças da Câmara Municipal da Maia, aí se englobando todos os seus preceitos, incluindo o referido artigo 30.º, n.º 5, alínea b) , subalínea b2) – com os requisitos formais previstos no artigo 112.º, n.º 7, da Constituição. Este preceito constitucional estatui que «os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regu- lamentar ou que definem a competência subjetiva e objetiva para a sua emissão». Este preceito, introduzido na revisão constitucional de 1982, estabelece, assim, requisitos formais que os regulamentos administrativos – as normas jurídicas emanadas ao abrigo da função administrativa do Estado – devem obedecer, distinguindo-se entre regulamentos de execução e regulamentos independentes: a indicação expressa, respetivamente, da lei que vise regulamentar ou que defina a competência subjetiva e objetiva para a sua emissão (a norma legal habilitante). Diga- -se que esta exigência é reproduzida no Código de Procedimento Administrativo (CPA), aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, que estabelece que «Os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visem regulamentar ou, no caso de regulamentos independentes, as leis que definem a competência subjetiva e objetiva para a sua emissão» (artigo 136.º, n.º 2, do CPA).

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