TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

160 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL autarquias locais. Da argumentação do Autor resulta, fundamentalmente, que o poder das autarquias locais de definir e punir ilícitos administrativos existe independentemente da citada norma legal (então revogada), traduzindo antes uma decorrência dos princípios constitucionais da autonomia local e da descentralização administrativa e constituindo-se ele próprio como um princípio geral de direito administrativo; que ao con- trário das sanções penais, a previsão e definição de sanções administrativas não constitui reserva de lei; que o poder regulamentar autónomo de definição e punição de ilícitos administrativos deve resultar expressa ou implicitamente da Constituição ou da lei; que num sistema de administração executiva o poder sanciona- tório da Administração é um elemento inerente à autoridade administrativa sempre que esta tenha o poder regulamentar para estabelecer obrigações para os particulares; que a tese defendida tem pleno apoio na juris- prudência do Tribunal Constitucional sobre as contraordenações municipais (Acórdão n.º 386/03); e que, em todo o caso, a eliminação do artigo 55.º da Lei das Finanças Locais (2007) não fez desaparecer todas as normas de onde pode decorrer uma explícita credencial legislativa para o poder sancionatório autónomo das autarquias locais, como é o caso do artigo 14.º, alínea g) , da nova Lei das Finanças Locais (Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro) que considera como receitas dos municípios «o produto das multas e coimas fixadas por lei, regulamento ou postura que caibam ao município» (cfr. Vital Moreira, Questões Atuais – Sobre o poder sancionatório autónomo das Autarquias Locais, in Questões Atuais de Direito Local, n.º 4, outubro/dezembro 2014, pp. 117-122, em especial, pp. 119-121; concordando expressamente com a posição assumida pelo Autor agora citado Fernanda Paula Oliveira/Maria José Castanheira Neves e Dulce Lopes, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação Comentado , anotação ao artigo 3.º, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, p. 105). A partir da análise do plano estritamente legal, concluiu então Vital Moreira ( ob. cit., p. 121) que, por força da vigência da referida norma contida no artigo 14.º da Lei das Finanças Locais de 2013 (semelhante na redação à norma contida no artigo 10.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro, vigente ao momento da apro- vação do RUEM), «continua a existir uma base legal explícita, se bem que indireta, para que as autarquias locais, dentro das respetivas atribuições, possam definir e punir contraordenações, por via regulamentar, por infração das obrigações previstas no ordenamento municipal.». Em todo o caso, cumpre aqui acrescentar um dado normativo novo, por via da recentíssima alteração à Lei das Finanças Locais pela Lei n.º 51/2018, de 16 de agosto, que a republicou, cujo artigo 3.º aditou o artigo 90.º-B com o seguinte teor (de certa forma retomando o artigo 55.º da Lei anterior): «Artigo 90.º -B Coimas 1 – A violação de posturas e de regulamentos de natureza genérica e execução permanente das autarquias locais constitui contraordenação sancionada com coima. 2 – As coimas a prever nas posturas e nos regulamentos municipais não podem ser superiores a 10 vezes a retri- buição mínima mensal garantida para as pessoas singulares e a 100 vezes aquele valor para as pessoas coletivas, nem exceder o montante das que sejam impostas pelo Estado para contraordenação do mesmo tipo. 3 – As coimas a prever nas posturas e nos regulamentos das freguesias não podem ser superiores ao salário mínimo nacional mais elevado, nem exceder o montante das que sejam impostas pelo Estado ou pelo município para contraordenação do mesmo tipo.  4 – As posturas e regulamentos referidos nos números anteriores não podem entrar em vigor antes de decorri- dos 15 dias sobre a sua publicação, nos termos legais.» 12.4. Assim, pela análise que antecede do quadro constitucional, a partir da garantia da autonomia regulamentar cometida às autarquias locais (artigo 241.º da CRP), no âmbito mais vasto do princípio (cons- titucional) de autonomia local – e, bem assim, do quadro legislativo infraconstitucional respeitante às com- petências regulamentares dos órgãos autárquicos ( in casu , municipais), dificilmente se poderia acompanhar a conclusão alcançada na decisão judicial ora recorrida da total falta de credenciação (na Constituição e na

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