TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

159 acórdão n.º 19/19 indeterminação conceptual que lhes permitam tratar como próprios os interesses confiados à administração municipal. E o mesmo se diga mutatis mutandis do poder regulamentar (…). Um certo espaço de normação deve resultar de uma auto-contenção legislativa, dentro de idênticos pressupostos, corporizando o sentido útil da autonomia.» [cfr. A Tutela Administrativa nas relações entre o Estado e os Municípios (Condicionalismos Constitucionais), Coimbra Editora, Coimbra, 2004, pp. 114-115]. Jorge Miranda/Rui Medeiros ( Constituição Portuguesa Anotada , Tomo III, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 490), em anotação ao artigo 241.º da Constituição, e ponderando a ideia avançada por Vieira de Andrade ( Autonomia Regulamentar e Reserva de Lei, cit., em especial, pp. 27 e seguintes) sobre a necessidade de harmonização do princípio da reserva de lei (fora dos casos da reserva absoluta de lei formal, v. g. definição de crimes e penas) com a admissibilidade de regulamentos independentes autárquicos, consideram: «(…) d) A ideia aflorada no parágrafo anterior pode ser ilustrada com a possibilidade de as autarquias locais, nos limites da lei, disporem de poderes tributários e definirem ilícitos de mera ordenação social e respetivas sanções (Afonso Queiró, Lições, I, p. 461). A conclusão, no primeiro caso, decorre hoje diretamente da Constituição. Com efeito, o n.º 4 do artigo 238.º, aditado na revisão de 1997, estabelece expressamente que “as autarquias locais podem dispor de poderes tributários, nos casos e nos termos previstos na lei” (…). A segunda situação merece um interesse particular. Na verdade, se bem que se integre na competência legis- lativa concorrente da Assembleia da República e do Governo a criação ex novo de contraordenações ou a conversão em contraordenações de anteriores contravenções puníveis com pena não restritiva da liberdade e, bem assim, a fixação da respetiva punição, nada impede que as autarquias locais, no âmbito dos seus poderes de normação, disponham igualmente de competência neste domínio (Acórdão n.º 110/95).» 12.3. A análise da doutrina sobre o tema do poder sancionatório autárquico (em especial, municipal), partindo do princípio da autonomia regulamentar constitucionalmente consagrado, não ignorou todavia o enquadramento legal infraconstitucional. Recorde-se que, segundo a argumentação desenvolvida na decisão recorrida para sustentar a inconstitucionalidade orgânica das normas regulamentares objeto do presente recurso, desse quadro legal também não derivaria qualquer habilitação para os municípios criarem autono- mamente contraordenações e fixarem as respetivas coimas. Ora, esta tese não é acompanhada pela doutrina que dedicou a sua atenção ao tema. Desde logo, em sentido diferente, e compaginando o plano constitucional com o enquadramento legal infraconstitucional, defende José de Melo Alexandrino que «as autarquias locais apresentam, logo no plano da norma constitucional, um notável conjunto de marcas distintivas, entre as quais se compreendem as seguintes prerrogativas: (…) iv) Apenas os órgãos das autarquias locais (…) dispõem da prerrogativa de, na respetiva esfera de atribuições próprias (…), poderem aprovar posturas [artigos 17.º, n.º 2, alínea j) , 53.º, n.º 2, alínea a) , e 64.º, n.º 7, alínea a), da LAL] (…) e de nelas fixarem coimas (artigo 55.º, n.º 1, da Lei das Finanças Locais), sem que se mostre aí necessária qualquer intermediação da lei (…)» (cfr. «Direito das Autarquias Locais», in Paulo Otero/Pedro Gonçalves (coord.), Tratado de Direito Administrativo Especial , Volume IV, Almedina, Coimbra, 2010, pp. 11-299, pp. 107-108). Teve ainda Vital Moreira, por ocasião da revogação do artigo 55.º da Lei das Finanças Locais (Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro) – operada pela Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro e, assim, em qualquer caso, ocorrida posteriormente à data da feitura do RUEM de Cascais) – onde se dispunha (nos seus n. os  1 e 2) que «1 – A violação de posturas e de regulamentos de natureza genérica e execução permanente das autarquias locais constitui contraordenação sancionada com coima e 2 – As coimas a prever nas posturas e nos regulamentos municipais não podem ser superiores a 10 vezes a retribuição mínima mensal garantida para as pessoas singulares e a 100 vezes aquele valor para as pessoas coletivas, nem exceder o montante das que sejam impostas pelo Estado para contraordenação do mesmo tipo», a oportunidade para expressar o entendimento de que tal alteração legislativa não determinou a perda do poder sancionatório autónomo das

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