TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
158 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O condicionamento ou compressão da autonomia local (nomeadamente dos seus elementos) pode apenas decorrer da lei, quando um interesse público nacional ou supralocal o justificar, e sempre com a ressalva do seu núcleo incomprimível. Efetivamente, «a autonomia municipal não pode afetar a integridade da soberania do Estado. De facto, os poderes locais também são, por natureza, limitados, pois não podem ser exercidos para além do âmbito de interesses (necessariamente locais) que os justificam, não podendo invadir espaços de deliberação ou atuação que devem permanecer reservados à esfera da comunidade nacional» (cfr. M. Lúcia Amaral, A Forma da República , Coimbra Editora, 2012, p. 385). (…) 17. Como já se teve oportunidade de referir, a autonomia local, constitucionalmente garantida, visa «a prosse- cução de interesses próprios das populações respetivas» (artigo 235.º, n.º 2, da Constituição). É nesse contexto que a lei define as atribuições das autarquias (artigo 237.º, n.º 1), em domínios, áreas ou matérias determinadas, como o ordenamento do território, o ambiente, a cultura, a ação social, a proteção civil ou a educação (cfr. os artigos 7.º e 23.º do Regime Jurídico das Autarquias Locais, aprovado em anexo à Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro). Para- lelamente, a Constituição consagra dimensões ou elementos constitutivos da autonomia, decorrentes do princípio da autonomia local, que garantem que o desempenho pelas autarquias, como entes democráticos locais, das suas atribuições não se encontra indevidamente condicionado pelo Governo (a autonomia orçamental, regulamentar, ou de pessoal). A existência de órgãos das autarquias com legitimidade democrática direta – que são eleitos pela população local e perante esta responsáveis – seria incompatível com a sujeição da sua organização ou funciona- mento a uma qualquer relação de hierarquia ou sujeição a tutela de mérito pela administração do Estado. Caso contrário, os titulares do poder local poderiam ser politicamente responsabilizados por opções que não foram por si livremente tomadas.(…)». 12.2. Nos termos do artigo 241.º da Constituição, as autarquias locais dispõem de poder regulamentar próprio nos limites da Constituição, das leis e dos regulamentos emanados das autarquias de grau superior ou das autoridades com poder tutelar. Entendeu, a este propósito, Vieira de Andrade, considerando resultar da Constituição uma reserva de autonormação das autarquias locais, que «o alcance normativo do art. 24[1].º implica o reconhecimento constitucional de ordens locais próprias e, portanto, de uma pluralidade de orde- namentos jurídicos, apesar da supremacia legal nacional.» (cfr. «Autonomia Regulamentar e Reserva de Lei – Algumas Reflexões Acerca da Admissibilidade de Regulamentos das Autarquias Locais em Matéria de Direitos, Liberdades e Garantias», in Separata do número especial do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra – Estu- dos em Homenagem ao Prof. Doutor Afonso Rodrigues Queiró – 1986 , Coimbra, 1987, p. 28). Como também se escreveu no Acórdão n.º 110/95: «Este poder regulamentar independente, diretamente oriundo da Lei Fundamental, constitui o cerne da auto- nomia local, tem, como limites, os enunciados no preceito constitucional e é concebido no âmbito da prossecução das respetivas atribuições autárquicas, para gestão dos interesses próprios [cfr., v. g. , J. M. Sérvulo Correia, O Prin- cípio da Legalidade Administrativa no Direito Português , Coimbra, 1987, p. 264; J. C. Vieira de Andrade, “Autono- mia regulamentar e Reserva de Lei” in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Afonso Rodrigues Queiró , I, Coimbra, 1984, p. 22 e nota 40; M. Esteves de Oliveira, Direito Administrativo , vol. I, Coimbra, 1980, p. 114; J. Casalta Nabais, A Autonomia Local (Alguns Aspectos Gerais), Coimbra, 1990, p. 80 e segs. (separata daqueles Estudos)].» Ora, sendo a autonomia regulamentar das autarquias locais exercida no quadro da Constituição e da lei, assinala a doutrina a necessidade de garantia de um espaço de normação autárquico próprio, sem prejuízo da reserva de lei (e, acrescente-se, da preferência e prevalência da mesma). Para André Folque, «razões de eficácia ( v. g. economias de escala) ou de unidade ( v. g. reserva de lei) poderão induzir o legislador a densificar as normas de competência dos órgãos municipais. Mas fora de exigências desta ordem, e sem prejuízo do inte- resse nacional, deve o legislador reservar aos poderes municipais a medida apta de discricionariedade ou de
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