TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019

152 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL contraordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa». Ora, esta não se afigura a perspetiva adequada para apreciar a questão de constitucionalidade em causa nos presentes autos, tendo em conta não apenas a inegável diferença – de natureza, de regime – existente entre os domínios sancionatórios penal e contraordenacional e os ilícitos penais e contraordenacionais, como a falta de virtualidade de as normas ora em crise poderem afrontar as garantias contidas no invocado artigo constitucional. Sobre a distinção entre os domínios sancionatórios penal e contraordenacional já se pronunciou este Tribunal em vasta jurisprudência (cfr., por todos, a pormenorizada síntese feita no Acórdão n.º 201/14). Como assinalado no Acórdão n.º 160/04 (disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt ), «não obstante a doutrina e a jurisprudência constitucionais irem no sentido da aplicação, no domínio contraor- denacional, do essencial dos princípios e normas constitucionais em matéria penal, não deixa de se admitir, como se escreveu no citado Acórdão n.º 50/03, a “diferença dos princípios jurídico-constitucionais que regem a legislação penal, por um lado, e aqueles a que se submetem as contraordenações”. Diferença, esta, que cobra expressão, designadamente, na natureza administrativa (e não jurisdicional) da entidade que aplica as sanções contraordenacionais (como se decidiu no Acórdão n.º 158/92, publicado no Diário da República , II Série, de 2 de setembro de 1992) e na diferente natureza e regime de um e outro ordenamento sanciona- tório (cfr. v. g . Acórdãos n. os  245/00 e 547/01, publicados, respetivamente, no Diário da República , II Série, de 3 de novembro de 2000 e de 9 de novembro de 2001)”». E dessa diferença decorre, desde logo, que dispõe o legislador democrático, no domínio contraordena- cional – e constituindo contraordenação «todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima» (artigo 1.º do Regime Geral das Contraordenações) –, uma maior margem de liber- dade na determinação dos ilícitos e do respetivo regime substantivo e processual (cfr. Acórdão n.º 297/16). Assim, e sem prejuízo da extensão (pese embora não total nem automática) de princípios e garantias próprias do direito penal e processual penal aos ilícitos contraordenacionais e respetivo processo, não se pode perder de vista que o quadro constitucional que determina a validade do direito contraordenacional infraconstitu- cional se revela, de um modo geral, menos exigente, seja na perspetiva da validade material, seja na perspetiva da validade orgânica, sendo, em qualquer caso, diferente da ordem jurídico-constitucional penal. Escreveu-se no Acórdão n.º 76/16: «5. (…) A Constituição faz referência ao direito contraordenacional (i) na alínea d) , do n.º 1, do artigo 165.º, que inclui o regime geral do ilícito de mera ordenação social na reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República; (ii) na alínea q) , do n.º 1, do artigo 227.º, que atribui às regiões autónomas o poder de definir ilícitos contraordenacionais; (iii) no n.º 3 do artigo 283.º, que define o regime dos efeitos repristinatórios da declaração de inconstitucionalidade, permitindo a revisão do caso julgado inconstitucional; (iv) e no n.º 10 do artigo 32.º, que assegura ao arguido em processo de contraordenação o direito de audiência e defesa. Não obstante a previsão do ilícito contraordenacional nesses pontos concretos, a Constituição não indica expressamente que outros princípios constitucionais são aplicáveis ao direito de mera ordenação social, o que provoca a discussão sobre a aplicabilidade, e em que termos, das normas e princípios constitucionais em matéria penal a esse domínio. Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, em anotação ao artigo 29.º da CRP, «é problemático saber em que medida é que os princípios consagrados neste artigo são extensivos a outros domínios sancionatórios. A epígrafe «aplicação da lei criminal» e o teor textual do preceito restringem a sua aplicação direta apenas ao direito criminal propriamente dito (crimes e respetivas sanções)» – ( Constituição da República Portuguesa Anotada , Vol. II, 4.ª ed. p. 498). Mas o facto de as contraordenações fazerem parte do poder punitivo estadual, cuja expressão máxima se encon- tra no direito penal, justifica que o seu regime jurídico seja influenciado pelos princípios e regras comuns a todo o direito sancionatório público. O direito de mera ordenação social é um direito sancionador, que permite à

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