TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
140 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de contraordenação / Recurso judicial de decisão de aplicação de coima, em que é R. SA., Lda. e recorrida a Câmara Municipal de Cascais, fls. 52 a 60] “1 – Com fundamento na desaplicação das normas constantes dos artigos 37.º e 77., n.º 1, al. j) e n.º 2, do Regulamento n.º 78/2013, de 09/03 – Regulamento de Urbanização e Edificação do Município e Cascais (RUEM) publicado no DR , 2.,ª série, n.º 48, de 08/03/2013, por terem sido consideradas inconstitucionais, por violação do artigo 165, n.º 1, d) , com referência ao artigo 32.º, n.º 10, ambos da CRP, 2 – A douta decisão recusou a aplicação das citadas normas, por ter considerado que as mesmas padecem de inconstitucionalidade orgânica, por a Autoridade Administrativa ter criado e aplicado as referidas normas do RUEM de Cascais sem lei habilitante para tal, violando o princípio da reserva relativa de competência legislativa prevista no artigo 165.º, n.º 1, d) , com referência ao artigo 32, n.º 10, da mesma CRP, que determina que é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar, salvo autorização ao Governo, sobre: « d) Regime geral de punição das infrações disciplinares, bem como dos ilícitos de mera ordenação social e do respetivo processo» 3 – Pretende-se assim ver apreciada a constitucionalidade dos artigos 37 e 77, n.º 1, alínea j) e 2 do RUEM de Cascais” (fls. 65 e 66). 2.ª) O artigo 241.º da Constituição investe as “As autarquias locais […] de poder regulamentar próprio nos limites da Constituição, das leis e dos regulamentos emanados das autarquias de grau superior ou das autoridades com poder tutelar”, norma constitucional de competência esta cujo sentido profundo deve ser compreendido à luz da garantia institucional da “autonomia local”, pois dela procedem relevantes corolários para a correta exegese do significado e alcance do aludidos regulamentos autónomos. 4.ª) [sic] Com efeito, no dizer da melhor doutrina “Esta competência regulamentar [das autarquias locais] tem de específico (…) poder constitucionalmente abranger o próprio domínio das matérias reservadas à lei e em espe- cial o domínio da propriedade, da liberdade e das penas. Os regulamentos do Governo não podem criar impostos nem impor penas – mas as autarquias locais não sofrem desta discriminação constitucional, podendo os seus regu- lamentos ter um conteúdo mais amplo do que aquele que é permitido aos regulamentos do Governo: podem, nos limites de lei, criar impostos e impor sanções (…)” (Afonso R. Queiró). 5.ª) Por outra parte, ainda quanto ao plano constitucional, não decorre do preceito em causa qualquer restrição quanto ao objeto dos ditos regulamentos “próprios”, que podem assim ter feição de “regulamentos de polícia”, nomeadamente urbanística e de edificação estabelecendo assim limitações às liberdades pessoais, na medida em que consubstanciem actos ou atividades de risco, no caso em matéria edificativa, tudo em ordem a prevenir que as mesmas redundem em danos, pessoais e materiais, para interesses públicos merecedores e carecidos de tal proteção. 6.ª) No plano da lei, os municípios (a assembleia municipal, sob proposta da câmara) estão taxativamente investidos de competência para emitirem regulamentos com eficácia externa e, em especial, no exercício do seu poder regulamentar “próprio”, os municípios aprovam regulamentos municipais de urbanização e de edificação, os quais contêm, por natureza, disposições de polícia com o seu típico conteúdo deôntico, com função regulatória, seja de permissões ou imperativos (proibições e ordens). 7.ª) Seria de todo insólito interpretar as ditas disposições constitucionais e legais no sentido de atribuírem competência para criar normas com conteúdo imperativo, de ordens ou proibições, sem correspondentemente atribuírem às autoridades normativas em causa os necessários poderes de tutela da legalidade, para compelir ao cumprimento ou reprimir a infração dessas normas jurídicas municipais (reintegração ou repressão do ilícito admi- nistrativo). 8.ª) Que tal visão das coisas é improcedente resulta, aliás, da Lei n.º 2/2007, de 15 de abril [janeiro] (Aprova a Lei das Finanças Locais, revogando a Lei n.º 42/98, de 6 de agosto), a qual, na linha de uma tradição anterior e que se manteve ulteriormente, no seu artigo 55.º (Coimas), n.º 1 previa expressamente o que “A violação de posturas e de regulamentos de natureza genérica e execução permanente das autarquias locais constitui contraordenação sancionada com coima”. 9.ª) O aludido artigo 55.º, embora não tendo sido considerado pela decisão recorrida quando ponderou a Lei n.º 2/2007, cit., é, manifestamente, de capital importância para os nossos efeitos pois, para além de norma de qualificação de ilícitos e sanções, expressa uma norma de competência – tanto para definir condutas como
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