TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
138 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Administração, de fazer respeitar ou reintegrar, proprio iure , a legalidade urbanística (p. ex. CPA, arts. 175.º, n.º 1, e 176.º, n. os 1 e 2). De modo que seria insólito – para não dizer deletério – interpretar as ditas disposições constitucionais e legais no sentido de atribuírem competência para criar normas com o conteúdo imperativo de ordens ou proibições… sem correspondentemente atribuir às autoridades normativas os necessários poderes de tutela da legalidade, para compelir ao cumprimento ou reprimir a infração dessas normas jurídicas municipais (reintegração ou repressão do ilícito administrativo). Seria mesmo contranatura imputar ao “legislador racional” a criação sistemática de leges imperfectae, desprovidas de quaisquer sanções (idóneas e proporcionais), o que aliás estaria em declarada e insanável contradição com as regras da boa hermenêutica [Código Civil, art. 9.º, n.º 3]. 8. E tanto que assim é, tanto que isso seria uma falácia intolerável, que é da pena do próprio legislador que procede o seu cabal desmentido. Com efeito, na linha de uma tradição anterior e que se manteve ulteriormente, a Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro (Aprova a Lei das Finanças Locais, revogando a Lei n.º 42/98, de 6 de agosto) no seu artigo 55.º (Coimas), n.º 1 previa expressamente o seguinte: “A violação de posturas e de regulamentos de natureza genérica e execução permanente das autarquias locais constitui contraordenação sancionada com coima”. E, imediatamente, no seu n.º 2, “As coimas a prever nas posturas e nos regulamentos municipais não podem ser superiores a 10 vezes a retribuição mínima mensal garantida para as pessoas singulares e a 100 vezes aquele valor para as pessoas coletivas, nem exceder o montante das que sejam impostas pelo Estado para contraordenação do mesmo tipo” (cfr., ainda, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, na redação que por último lhe foi conferida pela Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro, art. 1.º). No caso, bem entendido, a pena pecuniária principal com que é sancionada a contraordenação em apreço, prevista no art. 37.º do RUEM, é punível com uma coima graduada entre o mínimo de 100,00 euros e o máximo de 2 500 euros, no caso de pessoa singular [arts. 77.º, n. os 1, al. j) , e n.º 2]. Portanto em escrupulosa conformidade com as referidas balizas legais em matéria de penalidade máxima para as pessoas singulares, quer em função da retribuição mínima mensal garantida (Decreto-Lei n.º 143/2010, de 31 de dezembro, art. 1.º, n.º 1), quer do equivalente ilícito estadual de mera ordenação social [RJUE, arts. 80.º-A, n.º 2, 98.º, n.º 1, al. c) e n.º 4]. 9. O antes mencionado preceito legal, embora não tendo sido considerado pela decisão recorrida quando ponderou a Lei n.º 2/2007, cit., é manifestamente de capital importância para os nossos efeitos pois, para além de norma de qualificação de ilícitos e sanções, expressa uma norma de competência – tanto para definir condutas como contraordenações, como para lhes cominar a inflição de uma coima a título de sanção pelo ilícito incorrido. 10. Está, assim, completa, à luz dos citados preceitos constitucionais e legais, a “pirâmide normativa” para efeitos da criação de tipos objetivos de ilícitos de mera ordenação social, municipais, em matéria de edificação. A saber: Constituição e lei, como habilitação para os órgãos dos municípios, através de regulamento “próprio”, emitirem normas gerais, abstratas e externas; definição de certos comportamentos (ações ou omissões) em matéria de edificação, municipalmente situados, como “contraordenações”; qualificação da violação de tais ilícitos admi- nistrativos a título de “coimas”; a sanção pecuniária principal cominada à contraordenação prevista no artigo 37.º, nos termos do artigo 77.º, n.º 1, al. j) , e n.º 2, ambos do RMUE, é punível como coima, graduada num máximo de 2.500,00 euros, no caso de pessoas singulares, portanto dentro dos limites prescritos pelos artigos 241.º da Constituição e 55.º, n.º 2, da Lei n.º 2/2007, citada. c) Reserva de lei 11. A isto, bem entendido, em nada causa embaraço, e muito menos fulmina de inconstitucionalidade, a reserva de lei prevista no artigo 165.º, n.º 1, al. d) , da lei fundamental, invocada na decisão recorrida. Ao invés, o modelo de partilha de competências por esta delineado é autenticamente compaginável, e até recla- mado, pelas soluções legais que acabámos de descrever. 12. Com efeito, tal preceito, epigrafado “Reserva relativa de competência legislativa”, dispõe: “É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: (…)
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