TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
126 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Por seu lado, não consagrando Constituição um direito à administração gratuita da justiça e deman- dando a mesma a realização de despesas, pode o Estado repercutir sobre os cidadãos que a ela recorram os respetivos custos, optando por uma justiça mais barata ou mais cara, conquanto «tenha na devida conta o nível geral dos rendimentos dos cidadãos, de modo a não tornar incomportável para o comum das pessoas o custeio de uma demanda judicial, pois, se tal suceder, se o acesso aos tribunais se tornar incomportável ou especialmente gravoso, violar-se-á o direito de acesso aos tribunais» (cfr. Acórdão n.º 102/98, deste Tribunal Constitucional). E tal como o legislador ordinário goza de liberdade normativo-constitutiva, dentro de tais parâmetros constitucionais, para configurar o concreto sistema das taxas de justiça, do mesmo passo goza de discriciona- riedade legislativa no que importa à modelação do sistema de apoio judiciário, estando, porém, vinculado a prosseguir, nele, aquele escopo constitucional de igualdade material no acesso e na utilização do sistema de justiça, de sorte a não impedi-los ou dificultá-los de forma incomportável para o cidadão. O que cumpre decidir nos presentes autos é, precisamente, se a modelação do instituto do apoio judi- ciário dada pela norma desaplicada garante o acesso ao direito e aos tribunais por parte daquele que carece de meios económicos suficientes para suportar os encargos que são inerentes ao desenvolvimento de um processo judicial. Por outras palavras, decidir se tal norma dá cumprimento à dimensão «prestacional» da garantia fundamental do acesso ao direito e aos tribunais, que se concretiza no «dever de o Estado assegurar meios (como o apoio judiciário) tendentes a evitar a denegação da justiça por insuficiência de meios econó- micos» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 467/91, Diário da República , II Série, de 2 de abril de 1992. Assim também, Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição , Almedina, p. 501, e Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra Editora, anotação ao artigo 20.º, ponto VI). 7. A decisão recorrida recusou, pois, a aplicação da norma que impõe que o rendimento relevante para efeitos de concessão do apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar, independentemente do requerente de proteção jurídica fruir de tal rendimento. Fê-lo por transposição do decidido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 654/06, pressupondo, por conseguinte, que a matéria que se encontrava regulada nos artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de agosto, se mantém até hoje sem alterações substanciais. Com efeito, a Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na redação originária, estabelecia, no ponto I do res- petivo Anexo, os critérios subjacentes à apreciação da insuficiência económica para efeitos da aplicação do diploma, tomando por referência o rendimento do agregado familiar, concretizando depois a Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de agosto, a fórmula de cálculo do valor do rendimento líquido completo do agre- gado familiar relevante tendo em vista a concessão ou não da proteção jurídica prevista naquela primeira lei. 8. Através da Recomendação n.º 2/B/2005, de 12 de outubro, o Provedor de Justiça chamou a atenção para a desadequação deste regime. Poderá ler-se, em tal recomendação, o seguinte: «Não será difícil imaginar situações em que o requerente da proteção jurídica não goza de condições objetivas, se estas fossem determinadas por referência ao seu rendimento individual, para suportar os custos dessa proteção jurídica, mas em que o rendimento do agregado familiar, nos termos que decorrem da legislação em análise, já permitirá a assunção dessas despesas, não tendo no entanto o requerente a adesão e apoio necessários do restante agregado familiar para a iniciativa de recorrer aos órgãos jurisdicionais, no sentido de fazer valer eventuais direitos ou interesses legítimos seus. Da mesma forma, poderá dar-se o caso de a pessoa naquelas mesmas condições pretender litigar contra outro ou outros membros do seu agregado familiar. Situação complexa é a do cônjuge requerente de proteção jurídica tendo em vista a propositura de uma ação de divórcio (litigioso), que não disponha de condições objetivas, se estas fossem determinadas por referência ao seu
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