TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 104.º volume \ 2019
112 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL que vão além do mero objetivo da redução tarifária, e que a criação do FSSSE garante, assegura, também, o caráter estrutural de bilateralidade ou sinalagmaticidade da relação subjacente ao tributo em causa, permi- tindo excluir a sua caracterização como imposto, já que nelas é possível identificar a satisfação das utilidades do sujeito passivo do tributo como contrapartida do respetivo pagamento. É a participação de um especial setor da atividade económica nos benefícios/custos presumidos da adoção destas políticas de financiamento que permite isolá-los dos demais contribuintes, sujeitando-os à contribuição criada pelas normas em aprecia- ção, sem que essa diferenciação possa considerar-se violadora da Constituição, como veremos. Assim, apesar de não pressupor uma contraprestação direta, específica e efetiva, razão pela qual não pode ser qualificada como taxa, a CESE, reveste características de bilateralidade na relação entre o Estado e os sujeitos passivos do tributo, pela conexão entre a origem das receitas e o seu destino. Não estamos, por isso, perante uma cobrança de tributo para participação nos gastos gerais da comu- nidade, numa pura angariação de receitas, que vise prover, indistintamente, às necessidades financeiras do Estado, que traduza o cumprimento de um dever geral de cidadania e solidariedade, como o dever de pagar impostos, em que esteja ausente uma qualquer contraprestação pública dedicada. Isto porque não é finali- dade imediata e genérica deste tributo a obtenção de receitas, a serem afetadas, geral e indiscriminadamente, à satisfação de encargos públicos. O facto de não ser possível individualizar-se, de forma concreta e absolutamente objetiva, uma com- pensação efetiva que, pelo seu conteúdo e natureza, seja especificamente dirigida aos sujeitos passivos que desenvolvam a atividade da recorrente, mas apenas as vantagens difusas, tal não retira caráter comutativo às prestações que visem financiar os objetivos que vão além da redução da dívida tarifária, já que estas con- trapartidas não estão dissociadas de prestações públicas, ainda que genericamente destinadas a um grupo específico, sendo de presumir que os sujeitos passivos da CESE beneficiarão dos mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético. Ou seja, no caso da CESE, estamos perante um tributo comutativo, em virtude de, ainda que de forma difusa, ser possível identificar nos objetivos do FSSSE, a que foi consignada, contraprestações destinadas a um determinado grupo de sujeitos passivos que mantêm sufi- ciente proximidade com as finalidades que este prosseguirá, e no qual se se incluirá a recorrente. Realizando a recorrente o armazenamento subterrâneo de gás natural e a construção, exploração e manu- tenção das infraestruturas e instalações necessárias para esse fim, dúvidas não restam que a recorrente sempre usufruirá do desenvolvimento das medidas que contribuam para o equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético, designadamente das que se associem à atividade do fundo criado que visa, entre outros objetivos, financiar políticas sociais e ambientais do setor energético, enquanto setor de serviços económicos de interesse geral. Como é bom de ver, os operadores económicos deste sector, entre os quais a recorrente, em virtude do seu específico objeto social, irão, presumivelmente, aproveitar, como contrapartida da CESE, de mecanismos que promovem a sustentabilidade sistémica do sector energético, de cariz social e ambiental, a desenvolver pelo Estado regulador, garante dessa sustentabilidade. Ou seja, uma vez que a atividade desenvolvida por estes agentes económicos beneficiará das ações de regulação traduzidas no desenvolvimento de políticas sociais e ambientais do setor energético, que promovam a sustentabilidade sistémica do setor, designada- mente através da constituição do FSSSE dedicado ao seu financiamento, financiamento este que também respeitará ao subsector do gás natural, existem, então, razões que autorizam o legislador a estabelecer que o grupo de operadores, no qual se inclui a recorrente, deve contribuir para os custos decorrente dessas medidas regulatórias. A recorrente é uma das entidades cuja atividade desenvolvida é uma atividade regulada, nos termos do Decreto-Lei n.º 30/2006, de 15 de fevereiro, e pelo Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho. E a regulação e os seus custos foi já anteriormente identificada pelo Tribunal Constitucional como justificando o lançamento deste tipo de tributos, como atrás se referiu. Como os exemplos de outras contribuições invo- cados bem demonstram, essas medidas regulatórias não se reduzem à definição de tarifas reguladas.
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