TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
86 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL poderes de cognição à matéria de direito, ainda que com controlo de vícios dos fundamentos de facto, desde que evidenciados no texto da decisão recorrida, assim como de nulidades, previsto nos n. os 2 e 3 do artigo 410.º do CPP. – Fernando Vaz Ventura. DECLARAÇÃO DE VOTO Votei vencido, no essencial, pelas razões já invocadas na minha declaração junta ao Acórdão n.º 429/16, agora reforçadas em razão da generalização do juízo positivo de inconstitucionalidade aí formulado e, bem assim, da explicitação de valorações antes apenas implícitas. Com efeito, na presente decisão, o Tribunal coteja a interpretação normativa do artigo 400.º, n.º 1, alí- nea e) , do Código de Processo Penal considerada, não apenas com o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, mas também com o princípio da proporcionalidade das restrições consignado no artigo 18.º, n.º 2, do mesmo normativo. Daí afirmar expressamente (e, agora, de forma clarificadora e coerente, por comparação com o que sucedeu em 2016) que tal interpretação normativa constitui uma restrição desproporcionada do direito ao recurso. Contudo, do mesmo passo, a maioria admite a legitimidade de restrições não desproporcionadas da mesma garantia fundamental – nomeadamente, sempre que a reversão da anterior absolvição não resulte numa condenação dos arguidos em pena de prisão efetiva (mas, antes, por exemplo, numa pena de multa – cfr. o n.º 24 do Acórdão – ou numa pena de prisão suspensa na sua execução). E isto apesar de o referido artigo 18.º, n.º 2, apenas admitir restrições de direitos, liberdades e garantias «nos casos expressamente pre- vistos na Constituição». Em meu entender, estas inconsistências têm origem no modo como a questão de inconstitucionalidade é equacionada a partir do direito infraconstitucional e por ele é condicionada de modo decisivo. No fundo, a decisão que fez vencimento generaliza uma “solução de amparo” para casos mais chocantes, abstraindo da necessidade de uma perspetiva jurídico-constitucional sistémica. Procedendo desse modo, o Tribunal acaba por ir além da sua função de controlo negativo, estabelecendo ele próprio algumas diretrizes estruturantes dos equilíbrios próprios do sistema de recursos penais. 1. Liminarmente, cumpre esclarecer que não está em causa a autonomia conceptual do direito ao recurso (por referência ao duplo grau de jurisdição) – trata-se de uma figura processual bem conhecida – nem, tão- -pouco, a admissibilidade constitucional de um conceito alargado de direito ao recurso (faculdade de pedir sempre o reexame por um tribunal superior de uma primeira decisão desfavorável, nomeadamente se estiver em causa uma condenação que implique a privação da liberdade do arguido). Contudo, já é mais difícil aceitar que o direito ao recurso, neste entendimento mais alargado – que parece ser o sufragado pela maioria –, não deva ter sempre o mesmo conteúdo, admitindo distinções consoante o tribunal de recurso: reexame da decisão recorrida quanto à matéria de facto e de direito, incluindo, portanto, a possibilidade de renovação da prova, no caso das relações; e mera revista alargada, no caso do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. o artigo 434.º do Código de Processo Penal). Por outro lado, afigura-se incontornável reconhecer a autonomia recíproca, sem prejuízo de todas as conexões, entre as garantias de defesa do arguido e o direito ao recurso: as primeiras não se esgotam nem são consumidas pelo segundo; e este, só por si, não constitui condição suficiente de uma defesa efetiva, sem prejuízo de consubstanciar uma garantia essencial de defesa. Ou seja, e como afirmei na declaração de 2016, mesmo quando consagrado o direito ao recurso nos termos defendidos pela presente decisão, tal não cons- titui garantia de uma tutela suficiente da defesa do arguido; e, inversamente, mesmo quando se reconduz a garantia constitucional do direito ao recurso ao direito a um segundo grau de jurisdição – como tem suce- dido na ordem constitucional portuguesa – não se pode dizer que o arguido não tenha a sua defesa garantida nos termos constitucionalmente exigidos. A consequência a retirar é óbvia: sendo o direito ao recurso uma garantia essencial da defesa do arguido, o “conteúdo essencial” de tal garantia não se reduz ao direito ao
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=