TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

544 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Do ponto de vista da determinabilidade do ilícito-típico, a única questão que pode colocar-se é a de saber se, em si mesma – isto é, em consequência de certos (ou todos) dos elementos que inclui –, certa norma incriminadora ultrapassa ou não os limites constitucionalmente impostos à abertura dos tipos legais de crime. Respondida negativamente tal questão, não cabe averiguar em seguida se, apesar de tais limites terem sido observados, aquela norma encerra, ainda assim, um grau de indeterminação ou de abertura superior ao evidenciado por um outro tipo legal de crime, vocacionado para a tutela dos mesmos bens jurídicos. É que, para além de nada na Constituição impor ao legislador penal o ónus de assegurar sempre, na construção de todos os tipos legais de crime, o mesmo exato grau de determinabilidade da conduta proibida, não é sequer materialmente possível mensurar e contrapor, naqueles que seriam os termos aqui pressupostos pelo princípio da igualdade, o nível de precisão na descrição do facto punível seguido em cada um dos tipos legais em confronto. De todo o modo, não deixará de notar-se que a diferença efetivamente existente entre os elementos que integram o tipo objetivo de ilícito previsto no n.º 1 do artigo 292.º – condução sob efeito do álcool – e aqueles que definem a atuação proibida pelo n.º 2 do referido artigo, na modalidade de execução ora consid- erada – condução de veículo sob influência de substâncias psicotrópicas –, a que o recorrente parece atribuir relevância, é facilmente explicável. Para além de incluírem determinadas drogas como a heroína, a cocaína e o ópio, as substâncias psico- trópicas abrangem ainda certas substâncias utilizadas no tratamento da desintoxicação, como a metadona, assim como um conjunto princípios ativos presentes numa vasta gama de medicamentos utilizados no trata- mento de determinado tipo de patológicas, como a depressão e a ansiedade – é o caso das benzodiazepinas, que incluem, entre outros, os medicamentos comercializados sob as designações de Valium , Revotril e Lexo- tan . Ao contrário do que sucede com a condução sob efeito do álcool, torna-se impossível apurar para este domínio valores exatos de referência, válidos para todo o tipo de substâncias e de sujeitos, independente- mente das suas características, estado ou condição. É nessa diferença que reside a explicação para o facto de, no caso da condução sob efeito do álcool, o perigo a que responde a incriminação se presumir a partir do grau de impregnação etílica do condutor, ao passo que, tratando-se da condução sob influência de sub- stâncias psicotrópicas, só uma efetiva diminuição das capacidades do condutor para exercer tal atividade em segurança possa constituir base suficientemente segura para alicerçar aquela presunção (em sentido próximo, vide Paula Ribeiro Faria, loc. cit. , p. 1082). Por tudo o que exposto fica, é de concluir que, no segmento que torna criminalmente responsável «quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, não estando em condições de o fazer com segurança, […] por se encontrar sob influência de substâncias psicotrópicas […]», a norma incriminadora constante do n.º 2 do artigo 292.º do Código Penal não viola qualquer um dos princípios constitucionais invocados pelo recorrente. O recurso deverá, pois, ser julgado improcedente. III – Decisão Em face do exposto, decide-se: a) Não julgar inconstitucional o n.º 2 do artigo 292.º do Código Penal, no segmento que torna cri- minalmente responsável «quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, não estando em condições de o fazer com segurança, por se encon- trar sob influência de substâncias psicotrópicas»; e, em consequência, b) Negar provimento ao recurso.

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