TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

543 acórdão n.º 606/18 Para além de incidir apenas sobre um – e não sobre todos – os elementos que integram a norma de comportamento, a remissão para a Convenção das Nações Unidas de 1971 sobre Substâncias Psicotrópicas, implicitamente contida no tipo legal constante do n.º 2 do artigo 292.º do Código Penal, não põe, por isso, em causa a certeza e determinabilidade do comportamento proibido, nem impede que os destinatários da norma incriminadora possam apreender, logo em face da mesma, os elementos essenciais do tipo de crime. Trata-se de uma conclusão, de resto, particularmente evidente e segura no caso de se tratar, como no presente sucedeu, de Tetraidrocanabinol ( THC ), substância que, para além de incluída na lista I anexa à men- cionada Convenção, corresponde ao principal constituinte psicoativo da cannabis , o que torna as respetivas propriedades psicotrópicas e a consequente proibição penal contida no tipo legal de crime inteiramente cognoscíveis pelos respetivos destinatários. 23. Para além do exercício da condução sob influência de substâncias psicotrópicas, o tipo objetivo consagrado no n.º 2 do artigo 292.º do Código Penal exige ainda que o condutor, em consequência desse estado, não se encontre em condições de realizar tal atividade com segurança, sendo este o elemento que permite presumir, em termos não ilidíveis, o perigo de lesão dos bens jurídicos tutelados através da norma incriminadora. Trata-se aqui do emprego, no âmbito da descrição do comportamento proibido, de um conceito inde- terminado, isto é, de um conceito pertencente à categoria daqueles cujo conteúdo e alcance se apresentam, em maior ou menor medida, por concretizar, exigindo em qualquer caso do intérpretre aplicador uma valo- ração complementar. Tendo sido questionada a conformidade constitucionalidade da norma incriminadora em face do princípio da tipicidade, a questão a que se impõe uma vez mais responder é a de saber se a inclusão de tal conceito no âmbito da definição do tipo objetivo do ilícito compromete a cognoscibilidade e a dirigibilidade da correspondente proibição penal. A resposta é indubitavelmente negativa. Tratando-se aqui, como não poderia deixar de ser, de abranger todas aquelas situações em que ocorre uma efetiva diminuição das capacidades do condutor, como sejam as de coordenação, movimentos e reflexos, devido ao consumo de substâncias psicotrópicas (cfr. Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal , Tomo II, Coimbra, 1999, Coimbra Editora, p. 1065), é evidente que o grau de indeterminação que o conceito encerra – falta de condições para conduzir com segurança – não compromete nem a determi­ nabilidade do comportamento proibido, nem a apreensibilidade do conteúdo do ilícito. A sua inclusão no âmbito da caracterização do facto punível é insuscetível, por isso, de comprometer ou de anular a função de garantia desempenhada pelo tipo penal. Em suma: tal como sucede com o elemento anteriormente analisado, também o conceito que vimos de considerar não põe em causa, nem em si mesmo, nem em resultado da sua associação àquele primeiro, a apreensão pelos destinatários da norma penal dos elementos essenciais do crime de condução sob influência de substâncias psicotrópicas, tipificado no n.º 2 do artigo 292.º do Código Penal, não desencadeando, por isso, qualquer violação do princípio da tipicidade. 24. Para além da violação do princípio da tipicidade, acolhido nos n. os 1 e 3 do artigo 29.º da Consti- tuição, entende o recorrente que o grau de indeterminação evidenciado pelo tipo de ilícito previsto no n.º 2 do artigo 292.º do Código Penal consubstancia, no confronto com a superior determinação da norma de comportamento constante do respetivo n.º 1, uma violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Lei Fundamental. A improcedência do argumento é, porém, manifesta. No plano da verificação do cumprimento da exigência constitucional de determinabilidade e cognos- cibilidade das condutas proibidas pelo direito penal, a invocação do princípio da igualdade, consagrado no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição, não tem, desde logo, qualquer cabimento.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=