TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
542 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Código Penal, que é um crime de perigo abstrato. E se, com essa sua conduta, criar um perigo concreto para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, cometerá o crime previsto no artigo 291.º, n.º 1, alínea a) , se tiver atuado com dolo. Vale isto por dizer que a abertura do tipo legal constante do n.º 2 do artigo 292.º do Código Penal é tão- somente aquela que resulta da inclusão na norma incriminadora de elementos que são comuns a outros tipos de ilícito. São eles: (i) a condução sob influência de substâncias psicotrópicas, que integra o tipo objetivo dos três mencionados ilícitos; e (ii) a falta de condições para conduzir com segurança, elemento incluído no ilícito tipificado na alínea a) do n.º 1 do artigo 291.º do referido Código. 22. Tal como o de “produto estupefaciente”, também o conceito de substâncias psicotrópicas pertence à categoria daqueles cuja densificação apenas pode ocorrer na presença de outros elementos normativos, oriundos do direito extrapenal. Devido à inclusão de tal conceito, o conteúdo integral da norma incriminadora constante do n.º 2 do artigo 292.º do Código Penal apenas pode ser alcançado através do recurso a elementos constantes de fonte diversa, colocando-se, assim, a questão de saber se podem dar-se por verificadas no caso as exigências decor- rentes do princípio da tipicidade. Constituindo, como se viu, uma clara preferência do legislador penal no âmbito da regulação de certo tipo de fenómenos despoletados pelos incessantes avanços científicos e tecnológicos, a técnica legislativa de remissão é, também no presente caso, facilmente explicável. Não cumprindo ao legislador penal identificar, selecionar ou isolar, em cada momento, as substâncias suscetíveis de serem classificadas como psicotrópicas de acordo com os critérios definidos pela comunidade científica, nem lhe sendo, além do mais, possível, listar e manter atualizado, no âmbito da própria norma incriminadora, o catálogo das substâncias assim classificadas de acordo com os últimos dados disponíveis, justifica-se plenamente o recurso a um conceito essencialmente denominativo, cujo conteúdo apenas pode ser integralmente determinado através do recurso a uma outra fonte normativa, neste caso de valor pelo menos não inferior ao daquela norma legal (artigo 8.º, n. os 2 e 3, da Constituição). Trata-se da Convenção das Nações Unidas de 1971 sobre Substâncias Psicotrópicas, aprovada para adesão pelo Decreto n.º 10/79, de 30 de janeiro, e publicada no Diário da República, I Série, n.º 25, de 30 de janeiro de 1979, de acordo com a qual a expressão “substância psicotrópica” designa qualquer substância, de origem natural ou sintética, ou qualquer produto natural, incluída(o) nas listas I, II, III e IV anexas à Convenção – listas que poderão ser a todo o momento modificadas, designadamente através do aditamento de novos elementos, em resultado da avaliação médica e científica prevista no n.º 4 do artigo 2.º da referida Convenção. Para além de a remissão ter por objeto normas constantes de convenção internacional – cujo valor, não sendo infralegal, contraria até, de acordo com alguma doutrina, a possibilidade de nos encontrarmos perante uma norma penal em branco (sobre o conceito de norma penal em branco, vide Teresa Beleza/Frederico de Lacerda Costa Pinto, O regime legal do erro e as normas penais em branco , Coimbra, 1999, pp. 31-35, e Jorge Miranda/Miguel Pedrosa Machado, “Constitucionalidade da proteção dos direitos de autor e da propriedade industrial. Normas penais em branco, tipos abertos, crimes formais e interpretação conforme à Constitu- ição”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal , n.º 4, 1994, pp. 483-486) –, verifica-se ser na norma penal remissiva, e não nas normas complementares, que, nas palavras do Acórdão n.º 427/95, se contêm os «crité- rios do ilícito penal», isto é, o desvalor da ação proibida, a natureza do perigo que a partir dela se presume, bem como a identificação do bem jurídico tutelado. Uma vez que a enumeração das substâncias psicotrópicas constante da Convenção e listas anexas não introduz um qualquer «critério autónomo de ilicitude» ( idem ), distinto daquele que o tipo legal documenta, encontramo-nos perante uma daquelas hipóteses em que a norma complementar não tem um carácter inova- dor, mas apenas concretizador, relativamente à norma sancionatória.
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