TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
541 acórdão n.º 606/18 Tal complementação será compatível com o artigo 7.º da Convenção sempre que o resultado da clarificação jurisprudencial dos elementos que integram a infração for consistente com a essência do ilícito e pudesse ser razoavelmente previsto pelos destinatários da norma (cfr., entre outros, Radio France and others v. France e Vasiliauskas v. Lithuania ). 20. No presente caso, discute-se se, no segmento em que torna criminalmente relevante a conduta daquele que, «pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equipa- rada, não estando em condições de o fazer com segurança, […] por se encontrar sob influência de substâncias psicotrópicas […]», a norma constante do n.º 2 do artigo 292.º do Código Penal contém uma descrição suficientemente precisa do comportamento proibido ou, pelo contrário, encerra, em todos ou os certos dos seus subsegmentos, um nível de indeterminação incompatível com as exigências que vimos impostas pelo princípio da legalidade. É este – e não aquele que o ora recorrente procurou debater em certas das alegações que produziu junto deste Tribunal o problema para que remete o objeto do presente recurso, tal como definido no respetivo requerimento de interposição. Trata-se, não de verificar se, a jusante, existem limites constitucionais à possibilidade de o julgador se socorrer de qualquer um dos meios probatórios legalmente admissíveis para ter por verificados certos dos factos que integram o tipo objetivo de ilícito, mas de determinar, a montante, se o legislador, ao tipificar a conduta proibida pelo n.º 2 do artigo 292.º do Código Penal, o fez com um grau de abertura ou com um nível de imprecisão insuscetíveis de proporcionar aos destinatários da norma incriminadora – os condutores de veículos, com ou sem motor, que escolham fazê-lo na via pública a antecipação, de forma suficientemente previsível e segura, do comportamento proibido pelo ordenamento jurídico-penal. A resposta a tal questão não dispensa uma análise, ainda que breve, do tipo objetivo de ilícito. 21. A tipificação do crime de condução sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas deveu-se à alteração legislativa levada a cabo pela Lei n.º 77/2001, de 13 de junho, que aditou ao artigo 292.º do Código Penal o seu atual n.º 2. Conforme se extrai da proposta de Lei n.º 69/VIII, que esteve na génese da Lei n.º 77/2001, tal alter- ação teve como propósito estabelecer um tipo de ilícito intermédio, situado a meio termo entre a contraor- denação originariamente prevista no n.º 3 do artigo 87.º do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de maio – entretanto transitada, ainda que com ligeiras modificações, para o artigo 81.º, n. os 1 e 6, alínea b) , do referido Código, na versão atualmente em vigor – e o crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto no artigo 291.º, n.º 1, alínea a) , do Código Penal. No segmento que ora releva, constitui elemento comum aos três referidos tipos de ilícito –isto é, à contraordenação prevista no artigo 81.º, n. os 1 e 6, alínea b) , do Código da Estrada, ao crime de condução de veículo sob influência de substâncias psicotrópicas, previsto no n.º 2 do artigo 292.º do Código Penal, e ao crime de condução perigosa de veículo rodoviário, na modalidade de execução contemplada no segundo segmento da alínea a) do n.º 1 do artigo 291.º do referido Código – a condução sob influência de substân- cias psicotrópicas. Correspondendo a formas gradativas de antecipação da tutela dispensada aos mesmos bens jurídicos – a vida, a integridade física e os bens patrimoniais de valor elevado –, os três referidos ilícitos diferenciam-se entre si através do elemento que, partindo da contraordenação prevista no artigo 81.º, n. os 1 e 6, alínea b) , do Código da Estrada – que constitui a modalidade de proteção mais recuada –, acresce ao tipo de ilícito subsequente, evidenciando uma intensificação do risco de lesão dos bens jurídicos tutelados. Assim, se, para além de conduzir sob influência de substâncias psicotrópicas, o condutor não se encon- trar por essa razão em condições de o fazer com segurança, cometerá, já não a contraordenação prevista no artigo 81.º, n. os 1 e 6, alínea b) , do Código da Estrada, mas sim o crime previsto no n.º 2 do artigo 292.º do
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