TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
535 acórdão n.º 606/18 sido aplicada em circunstâncias ou condições que permitam configurar uma lesão daquele direito. Se o não tiver sido, o resultado de tal confrontação será insuscetível de vir a projetar-se na solução jurídica do caso concreto, o que compromete a utilidade do recurso. Ora, conforme resulta do acórdão recorrido, o Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito da reavaliação das consequências jurídicas do crime, não acolheu a alegação constante do recurso interposto da sentença proferida em primeira instância, de acordo com a qual o recorrente, no âmbito do exercício da respetiva atividade profissional, careceria de deslocar-se a várias localidades, o que faria com que a aplicação da pena acessória de proibição de condução se traduzisse numa situação de desemprego. Muito pelo contrário: de acordo com o tribunal a quo, o quadro factual traçado em juízo apenas permitia ter por certo que o ora recorrente exercia, como trabalhador independente, atividade ligada à exploração de um estabelecimento de restauração, não revelando a matéria de facto provada que a respetiva vida profissional viesse a ser afetada de forma séria pelo cumprimento daquela sanção. Tendo o tribunal recorrido excluído a existência, no caso sub judice , de qualquer relação relevante e diferenciada entre a aplicação da pena acessória de proibição de condução prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 69.º do Código Penal e o direito ao trabalho, já então invocado pelo ora recorrente, é seguro que a resolução da questão de constitucionalidade fundada no parâmetro extraído da alínea a) do n.º 1 do artigo 58.º da Constituição seria insuscetível de produzir qualquer efeito útil na solução jurídica do caso concreto, em termos de confrontar o tribunal a quo com a necessidade de reformar o sentido do seu julgamento. Por assim ser, o objeto do presente recurso não poderá ser conhecido no segmento integrado pelo artigo 69.º, n.º 1, do Código Penal. 11. Para além de secundar a conclusão que acaba de alcançar-se quanto à norma contida na alínea a) do n.º 1 do artigo 69.º do Código Penal, considera ainda o Ministério Público que o objeto do recurso também não deverá ser conhecido no segmento respeitante ao preceito legal que tipifica o crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, constante do n.º 2 do artigo 292.º do Código Penal. Socorrendo-se, no essencial, da explicitação levada a cabo pelo recorrente na resposta ao convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso, bem como do conteúdo das conclusões que acompanharam o recurso interposto da sentença proferida em primeira instância, considera o Ministério Público, em primeiro lugar, que a questão de constitucionalidade respeitante ao n.º 2 do artigo 292.º do Código Penal não reveste carácter normativo, antes revelando ser pretensão do recorrente a de ver sindicada a «forma como a prova foi valorada pelo tribunal de 1.ª instância e o modo em concreto como foi definida a pena aplicável», atividades essas excluídas, por natureza, do âmbito dos poderes de cognição cometidos a este Tribunal. Para além disso, entende ainda o Ministério Público que a questão de constitucionalidade enunciada pelo recorrente não integra, em qualquer caso, a ratio decidendi do acórdão recorrido, o que se comprovará pela fundamentação constante do respetivo ponto 2., no qual o Tribunal da Relação de Lisboa concluiu que a «matéria de facto provada» em julgamento preenchia «todos os elementos típicos dos crimes por que o arguido foi condenado», desde logo porque o tipo criminal constante do n.º 2 do artigo 292.º do Código Penal, «ao contrário do que acontece na condução de veículo em estado de embriaguez (n.º 1), não exige a prova de qualquer quantitativo», tendo antes «como elemento típico “(...) não estando em condições de o fazer com segurança, por se encontrar sob influência de estupefacientes (...)”» – elemento que, além do mais, considerou «demonstrado» nos autos. Não cremos, porém, que assista razão ao Ministério Público em qualquer uma das dúvidas que suscita quanto à possibilidade de conhecimento do objeto do recurso. 12. Ainda que com a explicitação porventura resultante da resposta ao convite ao aperfeiçoamento que haja sido formulado, é no requerimento de interposição do recurso que o recorrente define o respetivo objeto: ao identificar, no requerimento de interposição de recurso, a norma ou interpretação normativa cuja
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