TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
524 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL [a contraordenação prevista no artigo 81.º, n. os 1 e 6, alínea b) , do Código da Estrada e o crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto no artigo 291.º, n.º 1, alínea a) , do Código Penal] são eles: (i) a condução sob influência de substâncias psicotrópicas, que integra o tipo objetivo dos três ilícitos; e (ii) a falta de condições para conduzir com segurança, elemento incluído no ilícito tipificado na alínea a) do n.º 1 do artigo 291.º do referido Código. IV - O conteúdo integral da norma incriminadora constante do n.º 2 do artigo 292.º do Código Penal, devido à inclusão do conceito de substâncias psicotrópicas, apenas pode ser alcançado através do recurso a elementos constantes de fonte diversa; não cumprindo ao legislador penal identificar, sele- cionar ou isolar, em cada momento, as substâncias suscetíveis de serem classificadas como psico- trópicas de acordo com os critérios definidos pela comunidade científica, nem lhe sendo, além do mais, possível, listar e manter atualizado, no âmbito da própria norma incriminadora, o catálogo das substâncias assim classificadas de acordo com os últimos dados disponíveis, justifica-se plenamente o recurso a um conceito essencialmente denominativo, cujo conteúdo apenas pode ser integralmente determinado através do recurso a uma outra fonte normativa, neste caso de valor pelo menos não inferior ao daquela norma legal. V - Uma vez que a enumeração das substâncias psicotrópicas constante da Convenção das Nações Unidas de 1971 sobre Substâncias Psicotrópicas e listas anexas não introduz um qualquer «critério autónomo de ilicitude», distinto daquele que o tipo legal documenta, encontramo-nos perante uma daquelas hipóteses em que a norma complementar não tem um carácter inovador, mas apenas concretizador, relativamente à norma sancionatória; para além de incidir apenas sobre um – e não sobre todos – os elementos que integram a norma de comportamento, a remissão para a Convenção, implicitamente contida no tipo legal constante do n.º 2 do artigo 292.º do Código Penal, não põe em causa a certeza e determinabilidade do comportamento proibido, nem impede que os destinatários da norma incri- minadora possam apreender, logo em face da mesma, os elementos essenciais do tipo de crime. VI - Para além do exercício da condução sob influência de substâncias psicotrópicas, o tipo objetivo con- sagrado no n.º 2 do artigo 292.º do Código Penal exige ainda que o condutor, em consequência desse estado, não se encontre em condições de realizar tal atividade com segurança, sendo este o elemento que permite presumir, em termos não ilidíveis, o perigo de lesão dos bens jurídicos tutelados através da norma incriminadora; tratando-se aqui de abranger todas aquelas situações em que ocorre uma efetiva diminuição das capacidades do condutor, como sejam as de coordenação, movimentos e reflexos, devi- do ao consumo de substâncias psicotrópicas, é evidente que o grau de indeterminação que o conceito encerra – falta de condições para conduzir com segurança – não compromete nem a determinabilidade do comportamento proibido, nem a apreensibilidade do conteúdo do ilícito, pelo que a sua inclusão no âmbito da caracterização do facto punível é insuscetível de comprometer ou de anular a função de garan- tia desempenhada pelo tipo penal, não desencadeando qualquer violação do princípio da tipicidade. VII - Não tem qualquer cabimento a invocação do princípio da igualdade no plano da verificação do cum- primento da exigência constitucional de determinabilidade e cognoscibilidade das condutas proibidas pelo direito penal; para além de nada na Constituição impor ao legislador penal o ónus de assegurar sempre, na construção de todos os tipos legais de crime, o mesmo exato grau de determinabilidade da conduta proibida, não é sequer materialmente possível mensurar e contrapor, naqueles que seriam os termos aqui pressupostos pelo princípio da igualdade, o nível de precisão na descrição do facto punível seguido em cada um dos tipos legais em confronto.
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