TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

521 acórdão n.º 604/18 Não se vislumbra, porém, em que termos a dimensão normativa sindicada se revela desconforme com o princípio da confiança, nem como o fundamento invocado se relaciona com a proteção de situações de confiança dos sujeitos processuais. A jurisprudência do Tribunal Constitucional, na densificação do conceito de processo justo ou de pro- cesso equitativo, vem utilizando o princípio da confiança como parâmetro de organização e disciplina do processo (Acórdãos n. os 678/98, 485/00, 183/06, 335/06 e 56/03). A garantia do processo equitativo comporta assim uma dimensão de segurança e previsibilidade dos comportamentos processuais, tutelando adequadamente a possibilidade de conhecimento das normas com base nas quais são praticados os atos e formalidades processuais, assim como as expectativas em que as partes fazem assentar a sua estratégia processual. Com efeito, o processo surge como um imperativo de segurança jurídica ligado a duas exigências: a determinabilidade da lei e a previsibilidade do direito. O processo justo e equitativo é também aquele cuja regulação prevê que a sequência dos atos que formam o processo esteja pré-determinada ao pormenor pelo legislador, em termos de ser possível assegurar com previsibilidade que as partes são titulares de poderes, deveres, ónus e faculdades processuais e que o processo é destinado a finalizar com certo tipo de decisão final. Os dois elementos são indissociáveis: a previsibilidade das consequências da prática dos atos processuais pressupõe que as normas processuais sejam claras e suficientemente densas, atributos sem os quais ficará violado o princípio da segurança jurídica. Um processo equitativo é também um processo previsível. Uma forma processual só é justa quando o conjunto ordenado de atos a praticar, bem como as formalidades a cumprir, tanto na propositura, como especialmente no desenvolvimento da ação, seja expresso por meio de normas cujos resultados sejam previsí- veis e cuja aplicação potencie essa previsibilidade. Para que haja previsibilidade são, porém, necessárias duas condições: que o esquema processual fixado na lei seja capaz de permitir aos sujeitos do processo conhecer os poderes e deveres que conformam a relação processual; e que haja univocidade de interpretação das normas processuais. É que se os sujeitos do processo não se encontram em condições de compreender e calcular pre- viamente as consequências das suas ações, o processo é inidóneo à realização da tutela jurídica. A idoneidade funcional do processo implica, pois, que ele seja construído em termos de possibilitar aos sujeitos processuais o conhecimento das normas com base nas quais calculam o seu modo de agir. Ora, a interpretação normativa impugnada não contende com as exigências de cognoscibilidade, cal- culabilidade e previsibilidade inferíveis do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança. Quer o ónus de promoção do incidente de habilitação, como condição do desenvolvimento da ação, quer as con- sequências da paralisação prolongada do processo, são exigências que a lei processual prevê desde o CPC de 1939. E face ao texto da lei em vigor – artigos 281.º e 351.º do CPC – a deserção da instância pela paragem do processo em consequência da falta de dedução do incidente de habilitação dos sucessores da parte fale- cida, não é uma cominação inovatória e inesperada, uma sanção que os autores sobreviventes não podiam antecipar. Por outro lado, não se vê obstáculo intransponível a que qualquer dos litigantes sobrevivos possa deduzir o incidente de habilitação dos sucessores da parte falecida. Mesmo na hipótese de serem desconhecidos os herdeiros da parte falecida, a habilitação pode ser requerida contra incertos (355.º do CPC). De modo que o cumprimento desse ónus, para além de previsível, não é excessivamente oneroso. Acresce que, numa ação com pluralidade de autores, os principais interessados no prosseguimento da ação são os autores sobrevivos. Com efeito, não prosseguindo a instância sem a substituição da parte fale- cida, a relações jurídicas substanciais deduzidas na lide não serão apreciadas. Sendo a desistência da instância uma declaração expressa do autor de que quer renunciar à ação proposta – um negócio jurídico unilateral –, enquanto manifestação do princípio dispositivo, na vertente da disponibilidade da tutela jurisdicional, os autores sobrevivos não podem desistir da instância em representação do autor falecido ou dos seus suces- sores. Daí o seu principal interesse em promover a substituição da parte falecida, mediante o incidente de habilitação de herdeiros.

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