TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
518 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL qualquer das partes, mas apenas apreciar se do ponto vista jurídico-constitucional é censurável que em caso de coligação ativa a sanção pela paragem prolongada do processo seja a extinção total da instância e não a deserção parcial. Este problema envolve necessariamente dimensões do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdi- cional efetiva. Com efeito, a deserção é um evento que faz cessar a instância sem que tenha atingido a sua finalidade normal: a declaração, por ato jurisdicional, do direito controvertido. Na medida em que o pro- cesso, enquanto instrumento de realização do direito, não chega a alcançar o resultado desejado pelo direito material, pode dizer-se que a deserção da instância afeta o direito à tutela jurisdicional efetiva. Deste direito fundamental, em associação com a regra do processo equitativo (n.º 4 do artigo 20.º da CRP), decorre um princípio de efetividade processual, segundo o qual o processo deve proporcionar às partes, quanto for pos- sível, a realização concreta, real e efetiva do direito violado. O princípio da efetividade processual exige, pois, que a sequência de atos fixados na lei, com vista à obtenção de uma determinada providência judiciária, seja capaz de alcançar a solução concreta do conflito levantado entre as partes. Um dos parâmetros que o processo tem que satisfazer para merecer a qualificação de efetivo é o da funciona- lidade material dos atos que o compõem. Quer dizer: a estruturação do conjunto de atos que formam o processo deve revelar-se funcionalmente adequada à realização da tutela jurisdicional dos direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos. O processo deve estar construído e organizado em ternos tais que se possa concluir que incide efetivamente sobre a pretensão deduzida pelo autor e que é suscetível de produzir um resultado útil e con- creto. Exigências puramente formais e arbitrais, destituídas de qualquer sentido útil e razoável, tornam o processo inidóneo a realizar a função de garantia do direito cometido à tutela jurisdicional (Acórdão n.º 462/16). Não obstante a instância findar em consequência da deserção, inviabilizando a realização final da tutela jurídica, daí não se pode concluir que tal cominação seja inidónea à realização dos fins do processo. Além dos valores da eficiência e da economia (artigos 130.º e 131.º do CPC), a efetividade processual compreende um fator temporal, que diz respeito ao tempo de tramitação da ação. O n.º 4 do artigo 20.º da CRP consagra que «todos têm direito a que a causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável»; e o n.º 5 do mesmo artigo garante que a tutela de direitos, liberdades e garantias pessoais faz uso de «procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos». Assim, efetividade temporal do processo implica não só o direito a uma decisão em prazo razoável como também o uso pelo legislador de instrumentos de celeridade processual. Ora, já foi referido que a deserção da instância é um mecanismo que promove a celeridade processual, obstando à eternização do processo em tribunal, quando a parte se desinteressa da lide ou negligencia a sua atuação, não promovendo o andamento, quando lhe compete fazê-lo. Como refere Paulo Ramos Faria, «o principal fundamento da deserção da instância residirá hoje no seu efeito compulsório com vista à tutela da celeridade processual» (cfr. “O julgamento da deserção da instância declarativa. Breve roteiro jurispruden- cial”, in https/ /julgar.pt . , abril de 2015). 10. A vantagem do instituto da deserção está nesse efeito compulsório, estimulando as partes a serem diligentes e ativas no cumprimento dos ónus processuais, tendo em vista a diminuição do tempo de duração do processo. Mas não se pode deixar de ter em conta que a extinção da instância por deserção é uma cominação particularmente gravosa, na medida em que inutiliza irremediavelmente a atividade que foi exercida no pro- cesso até ao momento da extinção. Dadas as consequências desfavoráveis para as partes, a sanção da deserção não pode revelar-se desproporcionada à gravidade e relevância, para os fins do processo, da falta que lhe deu origem. Como se disse, a ampla liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo, que lhe permite estabelecer ónus, cominações e preclusões, segundo critérios de conveniência, oportunidade e celeridade, encontra-se também limitada pelo princípio da proporcionalidade. Todavia, no que respeita à situação dos autos, a extinção total da instância por deserção, nos casos de coligação ativa, não é incompatível com o princípio da proporcionalidade, por várias razões.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=