TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
517 acórdão n.º 604/18 Ora, em caso de falecimento de uma das partes não cabe ao tribunal tomar a iniciativa de chamar os sucessores para intervir, até porque não tem elementos para o fazer. Nesse momento, é principalmente às partes sobrevivas que cumpre exercer a atividade processual necessária para que o processo siga os seus termos e atinja a sua finalidade. A imposição às partes sobrevivas do ónus de promover a habilitação dos sucesso- res encontra justificação no princípio dispositivo, segundo o qual a instância em si mesma (início, termo e suspensão) e a conformação do seu objeto e das partes da causa é dominada pela vontade das partes. Como refere Lebre de Freitas é «monopólio das partes a conformação da instância, nos seus elementos objetivos e subjetivos» ( Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais , Coimbra Editora, 1996, p.129). Não se pode considerar que a satisfação desse ónus seja muito onerosa para os autores sobrevivos, incluindo os coligados. Em regra, estão representados por mandatário judicial, o que lhe permite averiguar com facilidade quem são os sucessores que têm legitimidade para substituir a parte falecida. Além disso, na hipótese dos suces- sores serem incertos, qualquer dos litigantes sobrevivos pode requerer que se notifiquem, por éditos, para que venham ao processo habilitar-se como sucessores da parte falecida (artigo 355.º do CPC). 9. Problema diferente é o de saber se a gravidade das consequências ligadas ao incumprimento do ónus de impulso processual põem em causa a garantia do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva. O falecimento de uma das partes determina a suspensão da instância, mas não obsta ao decurso do prazo de deserção. Das normas contidas no n.º 1 do artigo 281.º e n.º 2 do artigo 275.º do CPC decorre que a suspensão da instância não afeta diretamente o prazo de deserção. Assim, o único facto capaz de impedir a deserção é a prática do ato tendente a fazer andar o processo. Como a suspensão da instância deriva de um facto – a morte de uma das partes – com efeito suspensivo que dá lugar a um incidente processual que aos demandantes sobrevivos cabe impulsionar, se este ónus não for satisfeito no prazo de seis meses, a instância extingue-se. Por isso, o que faz perimir a instância é a paralisação do processo por inércia ou inatividade das partes sobrevivas (ou dos sucessores da parte falecida) durante esse período. Os recorrentes entendem que na situação de coligação ativa a extinção da instância pela paragem do pro- cesso é uma cominação violadora do princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, porque gera “uma flagrante situação de indefesa de uma esmagadora pluralidade de autores, face à passividade de uma esmagadora minoria”. Porém, não esclarecem porquê e em que medida essa cominação afeta a sua atuação processual e o exercício do direito de defesa. Nem podiam fazê-lo, porque a interpretação normativa que questionam – extin- ção total da instância – não tem subjacente um critério normativo suscetível de ser confrontado com a regra fundamental da proibição da indefesa. O que resulta desta regra, decorrente do princípio do contraditório, é que não é «constitucionalmente legitima a atuação de uma norma processualmente sancionatória, no confronto das partes, sem que lhes seja previamente facultada oportunidade de defesa, acabando por se ver confrontadas com a decisão condenatória ou sancionatória cujos fundamentos de facto ou de direito não tiveram qualquer oportunidade de contraditar» (Carlos Lopes do Rego, “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime de citação em processo civil”, in Estudos em Homena- gem ao Conselheiro José Cardoso da Costa , Coimbra Editora, 2003, p. 836). A questão de constitucionalidade que o Tribunal é chamado a apreciar consiste em determinar se é constitucionalmente legítimo que, numa situação de coligação de autores, em caso de falecimento de um deles, sem que no prazo de seis meses o incidente de habilitação dos sucessores tenha sido impulsionado por qualquer dos autores sobrevivos, se julgue extinta a instância relativamente a todos os pedidos e não apenas ao pedido formulado pelo autor falecido. Ora, a compatibilidade deste critério normativo com o artigo 20.º da CRP não convoca como parâ- metro o princípio da proibição da indefesa, associado ao princípio do contraditório, porque não integra quaisquer elementos ou circunstâncias relacionadas com a oportunidade de defesa. O recurso de constitu- cionalidade não vem reportado, por exemplo, a uma interpretação normativa do artigo 281.º do CPC que considere dispensável a audiência das partes antes de ser exarado o despacho que julga extinta a instância por deserção. Não está em causa qualquer norma ou dimensão normativa que vise limitar o direito de defesa de
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