TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

515 acórdão n.º 604/18 necessário fazer essa avaliação, no sentido de saber se a paragem do processo resulta efetivamente de negli- gência da parte em promover o seu andamento, a verificação dos pressupostos da deserção ocorre ope judicis e não ope legis , como resulta expressamente do n.º 4 do artigo 281.º do CPC. A deserção extingue a instância, mas não a ação ou o direito que nela se pretendia fazer valer. Em princípio, a simples extinção da relação jurídica processual não impede que a mesma ação seja novamente proposta e que o direito substantivo exercido possa ser judicialmente reconhecido. Só assim não será se, em consequência dos efeitos da deserção da instância, os prazos de propositura da ação ou de prescrição do direito já estiverem findos. Violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva 7. No caso dos autos, a deserção da instância foi declarada numa ação interposta por uma pluralidade de autores contra o mesmo réu, em que não foi deduzido o incidente de habilitação de herdeiros dos autores falecidos. Os recorrentes entendem que a interpretação normativa aplicada pela decisão recorrida, segundo a qual, logo que se mostre ultrapassado o prazo de seis meses, sem que seja promovido o respetivo incidente de habilitação de herdeiros, o falecimento de um dos autores coligados impõe que o juiz decrete a extinção da instância quanto a todos os pedidos e não unicamente quanto ao pedido formulado pelo autor falecido, está em desconformidade com o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva. Essa interpretação pressupõe a existência de um ónus de impulso processual que impende sobre os autores sobrevivos: deduzir o incidente de habilitação dos sucessores da parte falecida. A questão que se coloca em primeiro lugar, no plano constitucional, consiste em saber se esse ónus viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado nos n. os 1 e 5 do artigo 20.º da CRP. Ora, a respeito das exigências decorrentes da garantia constitucional do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, quando estejam em causa normas que impõem um ónus processual às partes, o Tribunal tem afirmado que tal garantia não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta estruturação do processo, não sendo incompatível com a imposição de ónus processuais às partes. Na conformação das regras próprias do processo civil não está o legislador ordinário sujeito a uma vin- culação constitucional tão intensa quanto a que se verifica a propósito da conformação das regras de processo penal. O Tribunal Constitucional reconhece e declara que a CRP não impõe à ordem jurídica infraconstitu- cional um certo modelo concreto de processo, deixando à liberdade de conformação legislativa uma ampla margem de apreciação na definição da tramitação do processo, designadamente no que se refere aos requisi- tos de forma dos atos das partes, aos ónus processuais que sobre estes incidem e às cominações que resultem da inobservância das regras processuais (Acórdãos n. os 335/95, 508/02, 20/10 e 186/10, 629/13 e 462/16). Todavia, isso não significa que o legislador ordinário detenha uma total liberdade na concreta modela- ção do processo, como se fosse este um campo vazio de vinculações jurídico-constitucionais. É ponto assente que esta matéria não é imune aos princípios constitucionais e que os regimes adjetivos deverão mostrar-se funcionalmente adequados aos fins do processo, de modo a não traduzirem imposições sem sentido útil ou razoável, e não poderão impossibilitar ou dificultar de modo excessivo a atuação processual das partes, nem estabelecer consequências ou preclusões que sejam desproporcionadas em relação à gravidade da falta que é imputada. O Tribunal Constitucional tem dito que as normas processuais, como decorrência do princípio do processo equitativo, não podem impossibilitar ou dificultar de modo excessivo a atuação processual das partes, nem estabelecer consequências ou preclusões que sejam desproporcionadas em relação à gravidade da falta que é imputada (Acórdãos n. os 468/01, 122/02, 260/02 e 46/05). Nesse sentido, no Acórdão n.º 620/13 reitera-se que «(A)pesar de vigorar, na definição da tramitação do processo civil, uma ampla discricionariedade legislativa que permite ao legislador ordinário, por razões de conveniência, oportunidade e celeridade, fazer incidir ónus processuais sobre as partes e prever quais as cominações ou preclusões que resultam do seu incumprimento, isso não significa que as soluções adotadas

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