TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
514 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O instituto da deserção da instância sofreu profundas alterações no novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, sobretudo em consequência da eliminação da figura da interrupção da instância e do encurtamento significativo do prazo de deserção. No anterior CPC – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44 129, de 28 de dezembro de 1961, com as altera- ções introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 329/95, de 12 de dezembro – a instância interrompia-se quando o processo estivesse parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependia o seu andamento (artigo 285.º); e considerava-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando estivesse interrompida durante dois anos (n.º 1 do artigo 291.º). Da conjugação dos dois preceitos resultava, em termos gerais, que não promovendo a parte o andamento do processo quando tal dependesse de ato seu, e o mesmo estivesse parado por mais de três anos, a instância extinguia-se. O novo CPC eliminou a “fase” intermédia de inatividade das partes – interrupção da instância – e reduziu significativamente o tempo mínimo de paralisação do processo que implica a deserção da instância. Agora, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 281.º, a instância fica deserta logo que o processo, por negligência das partes, esteja sem impulso processual durante mais de seis meses. Ou seja, um prazo que, tida em conta a figura da interrupção da instância, era de três anos, passou agora para seis meses. Estas alterações têm subjacente uma preocupação de celeridade processual e de maior auto-responsabili- dade das partes no desenvolvimento da instância. O instituto da deserção da instância visa tutelar interesses de natureza pública: o regular funcionamento dos serviços judiciais e a celeridade processual. Por um lado, não é conveniente “à boa ordem dos serviços” que existam processos parados por tempo indefinido sem solução alguma; por outro, interessa que o processo seja organizado em termos de se chegar rapidamente à sua normal conclusão. Ora, a deserção é um modo de extinção da instância que pressupõe uma atitude negativa das par- tes: a inércia ou inatividade durante certo lapso de tempo (perempção). Nas situações em que sobre as partes impende o ónus de impulso processual, a ameaça de extinção da instância constrange-as a promover o segui- mento do processo. Por isso, quanto mais curto o período de tempo de paragem de processo, por inércia das partes, maior é o risco de extinção do processo e consequentemente maior é o estímulo à atividade das partes. A deserção tem assim um fundamento objetivo: é consequência da inércia das partes durante certo período de tempo, independentemente da sua vontade de renunciar ou abandonar o processo. Como refere Alberto Reis, « (a) perempção não é um efeito que a lei baseie na presunção de vontade de renúncia das partes ou no pressuposto de abandono do processo, justificação esta sugerida pelo dogma nefasto da vontade; é, em vez disso, uma caducidade que a lei faz derivar do simples facto objetivo da inércia processual na pendência da lide, em atenção ao ónus de atividade que incumbe às partes, e sem querer saber se estas têm vontade de que o efeito se produza» ( ob. cit. p. 437). Do n.º 1 do artigo 281.º do CPC resulta que a deserção é uma sanção que se aplica à parte que, devendo dar impulso processual, por negligência o não faz, determinando a paragem do processo por mais de seis meses; e o n.º 4 estabelece que a «deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despa- cho do juiz ou do relator». De modo que os requisitos legais da deserção são (i) a paragem do processo, por negligência das partes, (ii) o decurso de seis meses; (iii) e a declaração jurisdicional. Tendo em vista a tutela da celeridade processual, a lei estabelece uma sanção para a paralisação do pro- cesso por causa imputável às partes. A paragem do processo resulta de uma conduta típica das partes: incum- primento de um ónus de impulso subsequente. Assim, ao ónus de impulso processual corresponde, para as partes, o risco de extinção da instância em consequência do não exercício em tempo devido do poder que lhe é conferido com a imposição do ónus. De modo que a conduta omissiva e negligente das partes oneradas com o impulso processual só cessará com a prática dos atos tendentes a fazer andar o processo. Diferentemente do que ocorria no CPC anterior, a deserção da instância não é automática pelo simples decurso do prazo, pois, para além da falta de impulso processual há mais de seis meses, também é necessário que essa falta se fique a dever à negligência das partes em promover o seu andamento. Por isso, o compor- tamento omissivo das partes tem que ser apreciado e valorado judicialmente. Na medida em que se torna
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