TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
330 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL sempre uma observação da realidade específica sobre a qual incide a norma fiscal de tributação, não sendo viável uma construção de cariz universal (Jorge Bacelar de Gouveia, ob. cit. , p. 280). 8. Ainda com pertinência para a decisão a proferir, importa assinalar que a retroatividade não tem de ser confinada aos limites da aplicação no passado das normas fiscais de tributação positiva, devendo ser igual- mente equacionada por referência às normas fiscais de atribuição de benefício fiscal. As normas desaplicadas na decisão recorrida consubstanciam benefícios fiscais, na aceção acolhida no artigo 2.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (aprovado pela Lei n.º 215/89, de 1 de julho, com a última alteração introduzida pela Lei n.º 85/2017, de 18 de agosto), onde se prevê que «consideram-se benefícios fiscais as medidas de caráter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem, sendo reconduzíveis àquela definição as isenções, as reduções de taxas, as deduções à matéria coletável e à coleta, as amortizações e reintegrações aceleradas e outras medidas fiscais que obedeçam às características enunciadas no número anterior». Como salienta Saldanha Sanches, as isenções fiscais servem objetivos de conformação económica e social, criando regimes excecionais, na medida em que reduzem a base fiscal, aumentando a tributação dos contribuintes não isen- tos (cfr. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal , 3.ª edição, Coimbra, p. 122). Donde, a concessão de isenções acarreta, necessariamente, uma derrogação deliberada ao sistema normal de tributação, que permite atuar sobre a economia privada do mesmo modo que por despesas diretas, representando um pagamento implícito feito pelos poderes públicos, por intermédio da redução de impostos a pagar, gerando a correspon- dente despesa fiscal. Este corolário da criação de benefícios fiscais – já previsto no n.º 3 do artigo 3.º do EBF – encontra-se igualmente estatuído na alínea g) do n.º 3 do artigo 106.º da Lei Fundamental, que consignou a obrigação de discriminar no Orçamento do Estado os benefícios fiscais e a estimativa da receita cessante. Nesta senda, a jurisprudência constitucional vem notabilizando que os benefícios fiscais introduzem elementos de desigualdade no sistema tributário, pelo que a razão de ser da sua existência deverá radicar em relevantes e fundados motivos e interesses públicos (a título exemplificativo, vide o Acórdão n.º 855/15). No mesmo sentido, no Acórdão n.º 695/15 do Tribunal Constitucional, pode ler-se: «Na expressão de Saldanha Sanches, as normas de isenção, enquanto exceção à regra geral da incidência do correspondente imposto, vivem “numa permanente relação de tensão com o princípio da distribuição dos encar- gos tributários segundo o princípio da capacidade contributiva”, o que as vincula a “uma especial legitimação”: “a obtenção de um certo objetivo económico de especial importância”; daí que a função económico-social dos benefícios fiscais obrigue a um “cálculo permanente da receita perdida (da despesa fiscal)”, na medida em que “um benefício fiscal é sempre o benefício fiscal para alguns contribuintes, levando à perda de receitas (redução da base fiscal) que leva à maior oneração de outros contribuintes. A criação de um benefício é sempre uma decisão sobre a distribuição dos encargos de financiamento do Estado” ( Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3.ª edição, 2007, pp. 457 e 458). O que significa, como conclui Nuno Sá Gomes, que “um benefício fiscal, maxime uma isenção, nunca é um favor ou uma liberalidade fiscal, logo ao nível normativo, sob pena de inconstitucionalidade, pois tem que ter por fundamento um interesse público constitucionalmente relevante, superior ao correspondente interesse tutelado pela tributação” ( Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Lisboa, 1991, pp. 62-63)». Dito isto, tal como repetidamente afirmado pelo Tribunal, as escolhas de regime tomadas pelo legis lador, neste domínio, podem ser censuradas com fundamento em infração do princípio da igualdade, encarado como princípio negativo de controlo, quando se demonstre que as diferenças de tratamento entre sujeitos não encontram justificação em fundamentos razoáveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, são prosseguidos (cfr., entre muitos, os Acórdãos n. os 1057/96, 418/00, 451/02, 188/03, 370/07, 442/07, 47/10, 85/10, 42/14, 137/14 e 855/14).
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