TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
324 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Enquanto refração do princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição, o princípio da tutela da confiança vem sendo densificado na jurisprudência constitucional nos termos seguintes: «Para que [a confiança] seja tutelada é necessário que se reúnam dois pressupostos essenciais: a) a afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporciona- lidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição)». De acordo com tal formulação, seguida no Acórdão n.º 287/90 e retomada no Acórdão n.º 128/09, atrás citado, a lesão da confiança constitucionalmente censurável pressupõe, por força daquele primeiro critério, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos destinatários expectativas de continuidade, que essas expectativas sejam legítimas, justificadas e fundadas em boas razões e, por último, que os particulares tenham feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do “comportamento esta- dual”, que possam sair frustrados por mutações normativas do ordenamento com que os destinatários das normas não pudessem razoavelmente contar. Deste ponto de vista – importa esclarece-lo desde já –, é irrelevante que o prazo de três anos, previsto no n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, seja um prazo futuro, isto é, que apenas se inicia com a entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013, a 1 de janeiro de 2014. O que releva no plano da confrontação da norma impugnada com o princípio da tutela da confiança é, em si mesma, a integração de novos pressupostos na condição resolutiva aposta ao benefício: é o facto de, por força da retroatividade imposta no n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, as isenções concedidas ao abrigo do artigo 8.º, n.º 7, alínea a) , e n.º 8, do Regime jurídico aplicável aos FIIAH, na versão aprovada pela Lei n.º 64-A/2008, caducarem não apenas se o imóvel adquirido não for disponibilizado para arrendamento habitacional em momento ulterior ao da respetiva aquisição, mas ainda se, não obstante aquela disponibilização, nenhum contrato de arrendamento vier a ser efetivamente celebrado por razões não imputáveis ao fundo e/ou o imóvel adquirido acabar por ser alienado na sequência dessa impossibilidade, dentro dos três anos subsequentes à entrada em vigor da nova lei. 17. Conforme salientado já, o conjunto de benefícios fiscais incluídos no Regime jurídico especial aplicável aos FIAAH e SIAAH teve como propósito atrair o investimento privado para a constituição de fundos imobiliários, bem como a aquisição por estes de imóveis destinados ao mercado do arrendamento habitacional. Embora o objetivo último de tal regime fosse dar resposta à situação das famílias que haviam deixado de conse- guir suportar o empréstimo contraído para financiamento da aquisição dos imóveis em que residiam, permitindo- -lhes manterem-se nos prédios adquiridos, mediante a celebração de contratos de arrendamento habitacional, apesar da respetiva alienação aos fundos imobiliários, o meio escolhido para o alcançar passou pela instituição de um conjunto de benefícios fiscais destinados a incentivar a constituição de fundos imobiliários e a fomentar o investimento destes na aquisição de imóveis para aquele efeito: era através do investimento a realizar pelos fundos imobiliários, incentivado pelo conjunto de vantagens fiscais associadas à aquisição de imóveis para ulterior arren- damento habitacional, que, na lógica subjacente ao regime instituído, tal finalidade seria em definitivo alcançada. Sob a vigência da lei antiga, a destinação do imóvel adquirido ao arrendamento habitacional, através da sua efetiva disponibilização para tal efeito, constituía condição simultaneamente necessária e suficiente para atribuição das isenções concedidas no âmbito do IMT e do imposto do selo. Conforme notado, e bem, pelo tribunal a quo, nada ali se previa sobre a necessidade de o imóvel adquirido vir a ser efetivamente arrendado e/ou de permanecer na propriedade do fundo adquirente durante um certo prazo, sob pena de caducidade do benefício.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=