TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
323 acórdão n.º 489/18 completados ao abrigo da lei anterior e seja, por isso, autenticamente retroativa. Tal conclusão pressuporia que o facto jurídico-tributário, globalmente considerado, se pudesse dizer integralmente ocorrido ao abrigo da lei antiga (a Lei n.º 64-A/2008), o que, em face do carácter prospetivo da condição resolutiva aposta ao benefício, não pode, conforme se viu, ser afirmado, pelo menos com a segurança necessária ao reconhecimento do desvalor constitu- cional correspondente à violação da proibição das leis fiscais retroativas, consagrada no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição. 15. A conclusão de que a norma constante do n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013 não é, pelo menos com evidência pressuposta pelo acionamento da proibição consagrada no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição, autenticamente retroativa, não é suficiente, porém, para concluir pela respetiva conformidade constitucional. E isto porque, nos casos de retroatividade inautêntica ou imprópria – isto é, os respeitantes a normas que preveem, de forma inovadora, consequências jurídicas para situações que se constituíram antes da sua entrada em vigor, mas que se mantêm (ou podem manter-se) nessa data –, tem este Tribunal reiteradamente sublinhado que, também no âmbito tributário, as mutações da ordem jurídica não podem atingir as expetativas criadas ao abrigo da lei antiga em termos incompatíveis com aquele mínimo de certeza e de segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição. Tal entendimento, que coloca sob incidência dos limites decorrentes do princípio da proteção da confiança as situações de retroatividade inautêntica, foi sintetizado no Acórdão n.º 128/09, já referido, onde a tal propósito se escreve do seguinte: «Conforme sublinhado na jurisprudência constitucional, a proibição expressa da retroatividade da lei fiscal não tornou inútil a eventual aplicação, a matérias de natureza tributária, do parâmetro da proteção da con- fiança. Como diz Casalta Nabais, (Cfr. “Direito Fiscal”, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, p. 149) a proteção da confiança não foi absorvida pelo novo preceito constitucional. Ao textualizar a proibição de normas fiscais retroativas, a Constituição conferiu uma especial corporização ao princípio, corporização essa que se traduz na necessária ausência de ponderações sempre que ocorram casos [de leis tributárias] que sejam retroativas em sentido próprio ou autêntico. Nesses casos – nos quais, recorde-se, se não inclui o presente – não há lugar a ponderações: a norma retroativa é, por força do n.º 3 do artigo 103.º, inconstitucional. Mas tal não significa que, por causa disso, se tenha esgotado ou exaurido a «utilidade» do princípio da confiança em matéria tributá- ria. Pode haver outras situações – de retroatividade imprópria, ou até de não retroatividade – que convoquem a questão constitucional que é resolvida pela tutela da confiança». Ora, é essa, justamente, a questão de constitucionalidade suscitada pela norma sob fiscalização. Ao adicionar ao pressuposto originariamente previsto para a isenção – destinação do imóvel adquirido exclusi- vamente a arrendamento para habitação permanente – os novos pressupostos resultantes do aditamento ao artigo 8.º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH dos seus atuais n. os 14 a 16 – a exigência de celebração efetiva de contrato de arrendamento para habitação e de não alienação do mesmo dentro de certo prazo –, a norma do n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013 alcança e agrava a condição resolutiva aposta ao benefício, que vinha do passado, originando, com isso, um caso de retroatividade inautêntica. Apesar de não se encontrar sob incidência da proibição da retroatividade fiscal consagrada no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição – e de não ser, por isso, sancionável de forma automática, nos termos em que o são as situa- ções de retroatividade autêntica –, a norma constante do n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013 apenas poderá ser considerada constitucionalmente conforme se, em face dos elementos que integram a relação jurídico-tributária atingida, for de concluir que a aplicação da nova disciplina jurídica a factos iniciados sob a vigência da lei antiga é compatível com as exigências que, em caso de mutação da ordem jurídica, o legislador ordinário é obrigado a respeitar por força do princípio da proteção da confiança.
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