TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

85 acórdão n.º 242/18 instrumentos de recuperação da empresa como os que se encontram previstos no CIRE, não implica um qualquer desvalor tendo em vista o acesso ao direito e os tribunais. Isto não significa que a solução seja constitucionalmente imposta. Apenas que não é proibida. De resto, a questão da inclusão ou não das pessoas coletivas no âmbito pessoal de aplicação do regime jurídico da proteção jurídica em geral, foi tratada de forma diferenciada pelo legislador ao longo dos anos na con- cretização legal que foi fazendo do direito de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, oscilando ao longo do tempo entre soluções legais, ora mais abrangentes, ora mais restritivas, no apoio, compreensivamente em função da diversidade das condições financeiras existentes, mas tomando sempre como ponto assente a prioridade do financiamento público do acesso ao direito e aos tribunais por parte das pessoas singulares. 7. Ignorando a legitimidade da opção resultante da ponderação de interesses feita pelo legislador, o presente Acórdão, centra o juízo de desconformidade com a Constituição decisivamente na falta de consi- deração pela concreta situação económica da pessoa visada. Desta forma, acaba por impor uma lógica de equiparação absoluta dos direitos das pessoas singulares aos das pessoas coletivas com fins lucrativos não con- templada pela Constituição. Por outro lado, e diferentemente do que fez em outras ocasiões (vide por exem- plo, o Acórdão n.º 106/04), neste Acórdão o Tribunal não limita o juízo de inconstitucionalidade à recusa de proteção jurídica a pessoas coletivas com fins lucrativos para litígios que exorbitem da respetiva atividade económica normal. Esta solução sempre permitiria conjugar, numa opção legal alternativa à atualmente em vigor, os vários interesses em presença de uma forma que responderia a muitas – eu diria, a todas – as situações zelosamente identificadas no Acórdão como exemplos marginais de casos em que a insuficiência de meios económicos pode dificultar o acesso à justiça da empresa para defender os seus direitos relativamente a matérias que, por serem estranhas ao seu objeto social, não podia prever ou antecipar. Todavia, o Acórdão não distingue estes litígios dos concernentes à normal atividade económica da empresa, invalidando a norma que recusa a proteção jurídica a pessoas coletivas com fins lucrativos, sem consideração pela concreta situação económica das mesmas, independentemente da natureza do litígio. Ora, o apoio judiciário, representando um custo para a comunidade em geral, não tem, nem deve ter, como escopo o financiamento da cobrança de dívidas de (ou entre) pessoas coletivas com fins lucrativos, no exercício normal da sua atividade. – Maria de Fátima Mata-Mouros . DECLARAÇÃO DE VOTO Fiquei vencido na declaração de inconstitucionalidade, não acompanhando as razões que a ditaram. Entendo que as razões constantes de diversa jurisprudência do Tribunal, com destaque para o Acórdão n.º 216/10, (a) acentuando a vinculação do direito à proteção jurídica à dignidade da pessoa humana, (b) enfatizando as óbvias diferenças entre as pessoas singulares e as pessoas coletivas e, no âmbito das que têm fins lucrativos, chamando a atenção para as peculiaridades do tratamento jurídico da insuficiência económica destas, e (c) recordando que as pessoas coletivas com fins lucrativos em situação de insuficiência de recursos beneficiam de isenção de custas judiciais (com exceção dos processos relativos a litígios laborais), continuam a fazer sentido. Impressiona-me que entes constituídos com o (legítimo) propósito de ganhar dinheiro, por não o con- seguirem fazer, sejam auxiliados com o dinheiro dos contribuintes naquilo que para uma pessoa singular resultará normalmente de uma infelicidade, mas que para elas decorrerá, muito provavelmente, de falta de capacidade empresarial, de deficiente avaliação de riscos ou de ignorância do mercado, nos litígios judiciais em que se vejam envolvidos no exercício da sua atividade. Afinal, os seus concorrentes mais eficientes e com- petentes não disfrutam de tal benesse, o que coloca mesmo problemas de igualdade. – João Caupers.

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