TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
84 situação de insolvência iminente um mecanismo ágil e célere de encontrarem, com os respetivos credores, um plano que permita a sua recuperação (artigos 17.º-A e seguintes do CIRE). Note-se que se encontra em «situação económica difícil a empresa que enfrentar dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito» (artigo 17.º-B do CIRE). A dificuldade em fazer face a custas judiciais representa uma situação de dificuldade da empresa em cumprir as suas obrigações. Dificuldade esta que num contexto de atividade económica se repercute nos demais credores. Neste quadro, a concessão de apoio judiciário pode mesmo constituir um pernicioso antídoto à pronta recuperação da empresa. Não se trata de eleger como critério da insuficiência económica das pessoas coletivas com fins lucrativos a situação de falência ou insolvência para poderem beneficiar da isenção de custas processuais, como o acór- dão parece recear. Pelo contrário, procura-se obviar a que entidades viáveis do ponto de vista financeiro sejam obrigadas a colocar-se nas referidas condições com prejuízo não só para os próprios envolvidos como para os demais credores e, por conseguinte, também para a economia em geral. Este objetivo do PER permite que a isenção de custas prevista na alínea u) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Judiciais seja apli- cável a um vasto âmbito de empresas, servindo de alternativa constitucionalmente admissível à previsão da possibilidade de concessão de proteção jurídica a pessoas coletivas com fins lucrativos, designadamente para litígios relacionados com a sua atividade económica. Consumindo as virtudes inerentes a um tal benefício, vai, aliás, muito para além dele ao não deixar esquecidos também os interesses de outros agentes económicos, designadamente os credores. 5. É importante referir igualmente que, contrariamente ao que parece inferir-se do acórdão, não decorre do Direito da União Europeia qualquer imposição de acesso pelas pessoas coletivas com fins lucrativos aos mecanismos de apoio judiciário em condições iguais às das pessoas singulares. No citado acórdão do Tribunal de Justiça da UE (TJUE), DEB Deutsche Energiehandels – und Beratungsgesellschaft, Processo n.º C-279/09, de 22 de dezembro de 2010, é referido expressamente que «a análise do direito dos EstadosMembros evi- dencia a inexistência de um princípio verdadeiramente comum partilhado pelo conjunto desses Estados em matéria de concessão de apoio judiciário às pessoas colectivas» e que «na prática dos EstadosMembros que admitem a concessão de apoio judiciário às pessoas colectivas, existe uma distinção relativamente difundida entre pessoas colectivas com fins lucrativos e pessoas colectivas sem fins lucrativos» (n.º 44). Também não decorre da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem qualquer impo- sição genérica de acesso das pessoas coletivas ao apoio judiciário igualitário face às pessoas singulares. 6. A recusa de apoio judiciário a pessoas coletivas com fins lucrativos corresponde, pois, a uma opção legítima e justificada do legislador em não querer onerar toda a comunidade com custos da justiça que apro- veita apenas aos interesses económicos da pessoa coletiva com fins lucrativos que a ela recorre. Num pano- rama de litigiosidade crescente caracterizada em especial por instauração em massa de ações de baixo valor, que envolve particularmente as pessoas coletivas na cobrança de créditos, uma tal opção previne também a captura do apoio judiciário como instrumento de realização de interesses económicos de pessoas coletivas com fins lucrativos à custa do interesse geral. Num contexto de limitação de meios inevitável – note-se que, em termos estritamente económicos, a administração da justiça constitui um bem que comporta custos extremamente elevados para a comunidade – é razoável que o legislador apoie prioritariamente o acesso à justiça das pessoas singulares e entidades sem fins lucrativos, em detrimento da opção de financiamento público dos custos inerentes à atividade normal e lucrativa das pessoas coletivas, as quais, sem prejuízo da relevância que têm na sociedade, não deixam de ser instrumentais em relação aos interesses das pessoas humanas. O acesso à justiça das pessoas coletivas através do apoio do Estado não representa um interesse axiológico equivalente ao da garantia de acesso à justiça das pessoas singulares. Em matéria atinente à respetiva atividade económica, a negação de proteção jurídica (apoio e patrocínio judiciário) a pessoas coletivas com fins lucrativos, a par da disponibilização de
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