TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
82 outros litígios, tenha de ceder créditos em carteira ou contrair um empréstimo bancário para obter a liquidez de que carece para fazer face aos encargos de acesso aos tribunais. 4. Finalmente, não estou persuadido do acerto e da pertinência do argumento baseado no direito europeu. Por um lado, não creio que do acórdão DEB, prolatado pelo Tribunal de Justiça, se possa retirar que a exclusão categórica da proteção jurídica às pessoas coletivas com fins lucrativos viole o artigo 47.º da CDFUE. O que nesse aresto se afirma é que as pessoas coletivas não estão excluídas do âmbito de proteção dessa disposição, de tal modo que a recusa de concessão de apoio tem de ponderar, inter alia , a lesão desse interesse. O facto de no acórdão se referir a ponderação ao «órgão jurisdicional nacional», prende-se com a contingência de na Alemanha, a ordem jurídica nacional de que proveio o pedido de pronúncia prejudicial, a concessão de apoio judiciário ser uma competência reservada aos tribunais. Nada obsta a que essa ponde- ração seja feita pelo legislador, fazendo relevar, entre várias considerações abstratamente relevantes, a «forma e o fim lucrativo» da pessoa coletiva. Parece-me ser esse – e apenas esse – o alcance da decisão. Por outro lado, mesmo que se dê de barato que o direito europeu impõe o reconhecimento, mais ou menos alargado, do direito das pessoas coletivas com fins lucrativos a proteção jurídica em caso de insufi- ciência de meios económicos, em termos tais que a denegação de tal benefício pela ordem jurídica interna gerará uma desigualdade de tratamento entre agentes económicos que operam em domínios cobertos e não cobertos pelo direito europeu, não vislumbro aqui qualquer violação do princípio da igualdade. Em qual- quer ordem jurídica compósita, há desigualdades de tratamento que decorrem da pluralidade de centros de decisão legislativa. Assim, por exemplo, numa ordem jurídica federal, os agentes económicos que operem em domínios cobertos pelo direito federal não estão sujeitos a regras idênticas àqueles que se aplicam aos agentes que operam em domínios cobertos apenas pelo direito estadual. Trata-se de uma imposição da natureza das coisas, cujo repúdio levaria, em última análise, à conclusão absurda de que o princípio da igualdade proscreve todas as formas de separação vertical do poder legislativo. – Gonçalo de Almeida Ribeiro. DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Vencida. Entendo que o Tribunal deveria ter mantido, no essencial, a jurisprudência estabelecida no Acórdão de Plenário n.º 216/10, que decidiu não julgar inconstitucional, por violação dos artigos 12.º, n.º 2, 13.º, 20.º, 32.º, n.º 1, da Constituição, a norma do artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, com a redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto (a Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais, LADT). Invertendo aquela jurisprudência, no presente Acórdão o Tribunal decidiu, porém, declarar a inconsti- tucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 7.º, n.º 3, da LADT, na parte em que recusa a proteção jurídica a pessoas coletivas com fins lucrativos, sem consideração pela concreta situação económica das mesmas, por violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição. Não acompanho um tal juízo de inconstitucionalidade. 2. Diferentemente da maioria, entendo que a solução legal que não garante o apoio judiciário, em regra, às pessoas coletivas com escopo lucrativo não ofende, por si só, o artigo 20.º da Constituição, não configurando uma ablação do direito fundamental de acesso ao direito e à justiça, antes uma compressão que sobrevive ao teste de proporcionalidade numa ponderação baseada nos regimes legais aplicáveis. Como ponto de partida, note-se que mesmo as pessoas coletivas sem fins lucrativos não dispõem de acesso total à proteção jurídica, já que, em caso de insuficiência económica, apenas têm direito à proteção jurídica na modalidade de apoio judiciário (artigo 7.º, n.º 4, da LADT). Por outro lado, é recusada a prote- ção a toda e qualquer pessoa coletiva que alienou ou onerou todos os seus bens para se colocar em condições de obter proteção jurídica (artigo 7.º, n.º 5, da LADT).
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