TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
81 acórdão n.º 242/18 lugar, a proteção jurídica de empresas em dificuldades económicas constitui, do ponto de vista funcional, um subsídio público, pelo que é inequívoco que distorce a livre concorrência que o Estado está constitucio- nalmente vinculado a proteger. Em terceiro lugar, a exclusão da proteção jurídica destina-se a incentivar as sociedades comerciais a fazerem provisões e adquirirem seguros que acautelem os encargos de acesso à justiça compreendidos no seu objeto – e que, nessa medida, constituem um custo da sua atividade −, de forma a evitar a externalização desses encargos. São estes os fins prosseguidos pela medida legislativa de denegação de proteção jurídica às pessoas coletivas com fins lucrativos. Tal medida implica, é certo, a ablação de uma vertente do direito de acesso à justiça. Mas esta ablação é mitigada por dois fatores. Por um lado, o acesso à justiça pelas pessoas coletivas não tem o mesmo peso axiológico do que o acesso à justiça pelas pessoas físicas ou singulares, em virtude da natureza instrumental daquelas pessoas, ou seja, do facto de a relevância constitucional dos seus interesses ser mediada pelos inte- resses das pessoas físicas em cuja dignidade se baseia exclusivamente a ordem constitucional da República. Por outro lado, a restrição do acesso à justiça é mitigada pelo facto de as pessoas coletivas com fins lucrativos em situação de insuficiência de meios económicos poderem, em princípio, beneficiar da isenção subjetiva de custas prevista no regime do PER e da insolvência, no caso – que o legislador procura incentivar – de se colo- carem sob a incidência desses regimes. Acresce a possibilidade, mais ou menos larga, de dedução à matéria coletável do IRC dos custos de acesso à justiça. Visto o problema a esta luz, a lei exprime uma ponderação de interesses, ainda que o resultado dessa ponderação seja uma solução categórica – embora, bem se entenda, limitada a uma classe de sujeitos e apenas no que respeita a uma dimensão do direito de acesso à justiça. Claro que o legislador poderia ter estabelecido um regime em que a proteção jurídica das pessoas coletivas, sobretudo na modalidade de apoio judiciário, depende essencialmente de uma «avaliação casuística», em que a natureza do sujeito é uma das variáveis rele- vantes na tomada da decisão. Sucede que há um argumento importante que depõe a favor de uma solução de natureza categórica: a «avaliação casuística» da insuficiência de meios − que é conduzida, no nosso sistema, não por um órgão jurisdicional, mas pela Segurança Social – comporta risco de erro. Ora, o legislador terá entendido que os «falsos negativos» gerados por uma solução categórica são menos perniciosos, do ponto de vista da tutela dos valores relevantes, do que os «falsos positivos» de uma avaliação casuística. Também aqui a lei não deixa de exprimir uma ponderação de interesses. Apesar de tudo, creio que a solução legal é excessivamente restritiva do direito de acesso à justiça, porque se revela desnecessária a inexistência de uma exceção para os casos – seguramente raros – em que uma pessoa coletiva com fins lucrativos é demandada num litígio totalmente estranho ao seu objeto social. Esses custos podem ter-se por imprevisíveis, não sendo, por isso, exigível que a sociedade se tivesse precavido quanto a eles, nem sendo possível inferir da sua incapacidade de os suportar uma situação de dificuldade económica relevante do ponto de vista dos regimes de recuperação da empresa e da insolvência. De facto, nessas cir- cunstâncias, cessam os interesses que justificam a solução legal restritiva, pelo que a lei deveria consagrar uma exceção ao regime-regra. 3. Daqui decorre que, no meu entender, melhor teria andado o Tribunal se tivesse enquadrado o pro- blema na dogmática das restrições aos direitos fundamentais, concluindo pela violação do princípio da proi- bição do excesso na restrição de direitos, liberdades e garantias. Mas a minha divergência, para além destes aspetos essencialmente técnicos, projeta-se no alcance prático do juízo de inconstitucionalidade – o mesmo é dizer, no grau de vinculação constitucional do legislador neste domínio. Com efeito, não me parece que, no exemplo dado no ponto 18 do Acórdão, de uma sociedade comercial que tem uma carteira de crédito malparado e que, apesar de ter um ativo superior ao passivo, não tem meios financeiros de acesso aos tribunais, a proteção jurídica seja constitucionalmente exigível. O risco de não cumprimento é da natureza das operações de crédito, pelo que, do ponto de vista dos interesses que o legislador pretende salvaguardar, é perfeitamente legítimo que a sociedade tenha de contabilizar as despe- sas com a cobrança judicial como custo normal da sua atividade e que, no que respeita a esses ou quaisquer
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