TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
80 III – Decisão Pelo exposto, decide-se declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 7.º, n.º 3, Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, na parte em que recusa proteção jurídica a pessoas coletivas com fins lucrativos, sem consideração pela concreta situa- ção económica das mesmas, por violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. Sem custas. Lisboa, 8 de maio de 2018. – Pedro Machete – Gonçalo de Almeida Ribeiro (com declaração) – Maria José Rangel de Mesquita – Fernando Vaz Ventura – José Teles Pereira – Catarina Sarmento e Castro – Lino Rodrigues Ribeiro – Claudio Monteiro – Maria de Fátima Mata-Mouros (vencida, nos termos da declaração que junto) – João Pedro Caupers (vencido nos termos da declaração em anexo) – Têm voto de conformidade as Senhoras Conselheiras Joana Fernandes Costa e Maria Clara Sottomayor que não assinam por não estarem presentes – Manuel da Costa Andrade . DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Embora subscreva a decisão, não acompanho toda a fundamentação que fez vencimento. Adiro a duas premissas importantes do juízo de inconstitucionalidade. − A premissa da incindibilidade. O direito à proteção jurídica é uma das dimensões em que se ana- lisa o direito de acesso à justiça. Não é um direito fundamental autónomo, na medida em que o interesse protegido é o interesse geral de aceder aos tribunais. A sua especificidade prende-se com o facto de a proteção desse mesmo interesse, nas circunstâncias que integram a previsão da norma que consagra o direito («insuficiência de meios económicos»), ditar consequências específicas: um direito a uma prestação estadual. − A premissa da compatibilidade. Nada na natureza das pessoas coletivas com fins lucrativos obsta a que a estas seja concedida proteção jurídica, em qualquer das suas modalidades. Quando a Cons- tituição condiciona o reconhecimento de direitos fundamentais a pessoas coletivas a uma cláusula de «compatibilidade», tem em vista um pressuposto de ordem ontológica. As pessoas coletivas não têm, por natureza, direito à vida, à integridade física, à saúde ou à habitação. Porém, é claro que têm interesse em aceder à justiça, e em que tal acesso lhes não seja negado por insuficiência de meios económicos. A minha divergência com a fundamentação prende-se com a ideia, que nela perpassa, de que a solução legal consagrada no artigo 7.º, n.º 3, da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais não exprime qualquer juízo de ponderação. Supõe-se que o legislador exclui as pessoas coletivas com fins lucrativos do âmbito da proteção jurídica por rejeitar a premissa da compatibilidade – ou seja, por entender que, por natureza, os sujeitos em causa não podem ser titulares de tal direito. Não julgo que seja essa a razão de ser do regime, nem penso que seja esse o entendimento subjacente ao juízo de não inconstitucionalidade alcançado no Acórdão n.º 216/10. 2. No meu entender, a lei exprime uma ponderação de interesses, que pode ser caracterizada nos seguin- tes termos. Há três razões de interesse público, com ressonância constitucional, para excluir as pessoas coletivas com fins lucrativos do âmbito da proteção jurídica. Em primeiro lugar, dada a tendencial coincidência de pressupostos entre o direito à proteção jurídica e o regime da insolvência e recuperação de empresas, verifica- -se o interesse público em atrair as empresas em dificuldades económicas para o âmbito deste. Em segundo
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