TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

79 acórdão n.º 242/18 exclui em termos gerais e abstratos qualquer possibilidade de concessão de apoio judiciário às pessoas coletivas com fins lucrativos e, por conseguinte, independentemente de uma avaliação da situação concreta, seja no que se refere ao objeto do litígio, seja no respeitante à insuficiência económica invocada. Ou seja, a impossibilidade absoluta de uma pessoa coletiva com fins lucrativos discutir com as autori- dades portuguesas competentes a sua insuficiência económica para efeitos de obtenção do apoio judiciário necessário à sua proteção jurisdicional efetiva – é esse o sentido da rejeição do pedido de proteção jurídica imposta pela norma do artigo 7.º, n.º 3, da LADT –, além de contrariar o artigo 6.º, n.º 1, da CEDH, con- traria também o artigo 47.º, terceiro parágrafo, da CDFUE – aspeto relevante sempre que esteja em causa o direito da União. Como referiu o Advogado-Geral Michal Bobek nas suas Conclusões apresentadas em 7 de setembro de 2017, no Processo C-298/16, a propósito da aplicabilidade dos direitos fundamentais da União, «não podem existir situações que estejam abrangidas pelo direito da União em que os referidos direitos fundamentais não sejam aplicáveis. Os direitos fundamentais são, de facto, a “sombra” do direito da União» (cfr. o n.º 29). Mas «isso significa também que tem de existir uma disposição de direito da União que seja aplicável, indepen- dente e diferente do próprio direito fundamental [já que] uma sombra não pode lançar a sua própria sombra. [Assim sendo, suscita-se a questão de saber] quando é que uma situação submetida às autoridades nacionais está abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União» (vide ibidem , n. os 30 e 31). São concebíveis diversas hipóteses, mas apesar da importância relativa da finalidade das medidas nacionais destinadas a apli- car o direito da União, « nem sempre é necessário que os objetivos prosseguidos pela disposição nacional em questão coincidam com os das disposições específicas de direito da União que estabelecem a ligação com a ordem jurídica da União » (vide ibidem , n.º 49; itálico aditado). Um exemplo disso mesmo é o caso dos direitos processuais: «No processo DEB , as disposições de aplicação geral do direito nacional que regulavam o acesso das pessoas coletivas ao apoio judiciário não visavam especificamente a aplicação do direito da União nem tinham exatamente o mesmo objetivo. No entanto, estavam abrangidas pelo âmbito de aplicação do direito da União para efeitos do direito a uma proteção jurisdicional efetiva garantido pelo artigo 47.º da Carta no contexto das vias de recurso pre- vistas no direito da União – em especial, as ações de indemnização intentadas contra o Estado ao abrigo do direito da União. Essas disposições eram necessárias para garantir que toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido infringidos tenha direito a uma ação perante um tribunal» (v. ibidem , n.º 50). 29. É neste quadro, e tendo em conta que o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva reveste a mesma natureza no quadro do direito da União Europeia e no quadro constitucional português, que se jus- tifica perspetivar as soluções do legislador nacional em termos sistémicos – de resto, como se invocou tanto no Acórdão n.º 216/10, como no Acórdão n.º 591/16. E, numa tal perspetiva, a norma do artigo 7.º, n.º 3, da LADT pode conduzir a soluções claramente contrárias à unidade axiológica no domínio dos direitos fundamentais aplicáveis pelos tribunais portugueses.  Basta pensar na hipótese de uma sociedade comercial, portuguesa ou nacional de um outro Estado- -Membro da União Europeia, em dificuldades económicas devido à violação de normas de direito da União Europeia pelo Estado Português e que pretende efetivar a responsabilidade civil deste último: a impossibi- lidade absoluta de discutir com as autoridades portuguesas competentes a sua insuficiência económica para efeitos de obtenção de proteção jurídica necessária a assegurar proteção jurisdicional efetiva é contrária ao artigo 47.º, terceiro parágrafo, da CDFUE e coloca-a numa situação de desigualdade face às sociedades em situação paralela noutros Estados-Membros igualmente sujeitos àquele normativo. Por outro lado, a solução do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição afigura-se consentânea com a ideia de acesso à justiça, tal como enten- dido no âmbito do direito da União Europeia, permitindo-o igualmente mesmo que não estejam em causa situações de aplicação de tal direito, assim estabelecendo coerência no sistema.

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