TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
77 acórdão n.º 242/18 F) A questão do funcionamento eficiente dos mercados e o direito da União Europeia 25. Por fim, importa analisar o argumento segundo o qual a proteção jurídica de entidades com fins lucrativos – sociedades ou estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada – seria contrária à injunção constitucional prevista no artigo 81.º, alínea f ) , da Constituição de assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, e a sua competiti- vidade, e que obrigaria a aceitar que aquelas que se mostram incapazes de suportar os custos normais da sua atividade económica, tornando-se inviáveis, não a devem prosseguir. Nesta ordem de ideias, o apoio judiciá- rio a pessoas coletivas com fins lucrativos surge como disfuncional e potencialmente criador de desigualdades entre as empresas concorrentes num mesmo mercado e, por essa via, como potencial fator de desequilíbrio desse mercado. Foi a este propósito que no Acórdão n.º 591/16 se chamou à colação o direito da União Europeia e a sua interpretação pelo Tribunal de Justiça à luz da CDFUE, atenta a centralidade da concorrência no orde- namento da União (cfr. os artigos 101.º e seguintes do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, em especial, as regras em matéria de auxílios concedidos pelos Estados-Membros – artigo 107.º; em Portugal, cfr. o artigo 65.º do Regime Jurídico da Concorrência, constante da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio). Justifica-se reiterar o que então se afirmou. 26. Com efeito, o artigo 47.º da CDFUE, sob a epígrafe «Direito à ação e a um tribunal imparcial», dispõe no seu terceiro parágrafo: «[é] concedida assistência judiciária a quem não disponha de recursos suficientes, na medida em que essa assistência seja necessária para garantir a efetividade do acesso à justiça». No acórdão de 22 de dezembro de 2010, DEB Deutsche Energiehandels – und Beratungsgesellschaft mbH c. República Federal da Alemanha, Processo C-279/09, já mencionado, o Tribunal de Justiça foi confrontado com a seguinte questão prejudicial (já reformulada pelo próprio Tribunal): «[Saber se a] interpretação do princípio da proteção jurisdicional efetiva, como consagrado no artigo 47.º da Carta, com vista a verificar se, no contexto de uma ação de indemnização intentada contra o Estado ao abrigo do direito da União, essa disposição se opõe a que uma legislação nacional sujeite o exercício da ação judicial ao paga- mento de um preparo e preveja que não deve ser concedido apoio judiciário a uma pessoa coletiva, numa situação em que esta última não tem a possibilidade de pagar esse preparo» (§ 33; itálico aditado). Na sua análise, o Tribunal de Justiça sublinha, além do mais: (i) que «o facto de o direito de beneficiar de apoio judiciário não estar consagrado no Título IV da Carta, relativo à solidariedade, revela que esse direito não foi principalmente concebido como um apoio social […]» (§ 41); (ii) que, «[d]o mesmo modo, a inte- gração da disposição relativa à concessão de apoio judiciário no artigo da Carta relativo ao direito a uma ação efetiva indica que a apreciação da necessidade da concessão desse apoio deve ser feita tomando como ponto de partida o direito da própria pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União foram viola- dos e não o interesse geral da sociedade , embora este possa ser um dos elementos de apreciação da necessidade do apoio» (§ 42; itálicos aditados); e (iii) que existe no direito dos Estados-Membros e na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao processo equitativo (artigo 6.º, n.º 1) uma diferença de tratamento assente em razões objetivas e razoáveis entre as sociedades comerciais, por um lado, e pessoas singulares e as pessoas coletivas sem fins lucrativos, por outro (§§ 44-52). De todo o modo, a sua conclusão relativamente ao artigo 47.º da CDFUE é a seguinte (§ 59): «[O] princípio da proteção jurisdicional efetiva, como consagrado no artigo 47.º da Carta, deve ser interpre- tado no sentido de que não está excluído que possa ser invocado por pessoas coletivas e que o apoio concedido em apli- cação deste princípio pode abranger, designadamente, a dispensa de pagamento antecipado dos encargos judiciais e/ou a assistência de um advogado.» (itálico aditado)
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