TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

74 Todavia, pode configurar-se a possibilidade de uma sociedade se encontrar numa situação em que não tem capacidade para, de imediato, assegurar o pagamento das despesas inerentes a um litígio judicial deter- minado, sem que, necessariamente, seja exigível que inicie um PER. É o caso, por exemplo, das situações em que a insuficiência tenha sobretudo como causa a existência de créditos vencidos e não pagos, hipótese em que aquela poderá ficar inibida de recorrer aos tribunais para cobrança dos mesmos. Deste modo, a insu- ficiência de meios económicos constitucionalmente relevante para efeito de salvaguarda do acesso à justiça pode, pelo menos em alguns casos, não ser sobreponível à situação económica difícil ou à situação de insol- vência iminente justificativas do recurso a um PER. Por outro lado, conforme decorre do regime deste processo, o mesmo pressupõe, não só, a iniciativa da empresa em situação económica difícil, mas também o acordo de, pelo menos, um dos seus credores, no sen- tido de encetarem negociações conducentes à revitalização daquela, por meio da aprovação de plano de recu- peração (cfr. artigo 17.º-C, n.º 1, do CIRE). Acresce que, tendo em vista os seus objetivos, este é um processo que implica, ou poderá implicar, a participação dos demais credores da empresa, determinando ainda, por parte desta, a disponibilização a terceiros (concretamente, aos seus credores) de um conjunto de informações e documentos respeitantes à sua vida interna (cfr., por exemplo, os artigos 17.º-C, n.º 3, e 17.º-D, n.º 6, do mesmo diploma). Saliente-se, por fim, que, uma vez proferido o despacho de nomeação de administrador judicial pro- visório, ocorre uma limitação importante no que respeita à autonomia e aos poderes de administração da empresa, uma vez que esta fica impedida de praticar atos de especial relevo, sem que previamente obtenha autorização daquele administrador (cfr. o artigo 17.º-E, n.º 2, do CIRE). 22. Em suma, a isenção de custas prevista no artigo 4.º, n.º 1, alínea u) , do RCP relativamente às sociedades civis ou comerciais em situação de insolvência ou em processo especial de revitalização, devido aos pressupostos de cada uma dessas situações e, bem assim, às limitações à liberdade de empresa a elas asso- ciadas, não salvaguarda a proteção jurídica constitucionalmente devida àquele tipo de entidades, em ordem a assegurar-lhes que o acesso à justiça não lhes seja denegado por insuficiência de meios económicos. Aliás, nem é essa a sua função, mas antes – e somente – a de criar condições para que os processos de insolvência e os processos especiais de recuperação possam atingir os respetivos fins, ou seja, a satisfação dos direitos dos credores, seja por via da liquidação do património do devedor insolvente, seja por via da recuperação da empresa. Por outras palavras, a isenção de custas em análise, apesar de coincidir com uma das modalidades que pode revestir o apoio judiciário, não está funcionalizada ao direito fundamental à proteção jurídica para efeitos de garantia do acesso aos tribunais previsto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição. O exercício deste último por parte de sociedades civis ou comerciais pode justificar-se independentemente de as mesmas se encontrarem em qualquer uma das referidas situações de dificuldade económico-financeira, e tal exercício não pode ficar dependente de limitações da autonomia do titular do direito e, muito menos, ser colocado na dependência do acordo de outros particulares, nomeadamente dos credores. E) A concessão de apoio judiciário a pessoas coletivas com fins lucrativos na jurisprudência do TEDH relativa ao artigo 6.º, § 1, da CEDH 23. Apesar de todas as diferenças existentes entre o artigo 20.º, n.º 1, in fine , da Constituição e o artigo 6.º, § 1, primeira frase, da CEDH («[q]ualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equi- tativa e publicamente […] por um tribunal […]»), a verdade é que a jurisprudência do TEDH tem vindo a reconhecer um direito à proteção jurídica ancorado naquele preceito, direito esse cuja titularidade não é negada às sociedades comerciais. Bem pelo contrário. Com efeito, e sem prejuízo de distinguir entre litígios civis e litígios penais, já que somente em relação a estes últimos se encontra expressamente previsto o apoio judiciário [cfr. o artigo 6.º, § 3, alínea c) , da

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