TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
724 justamente a solução normativa oposta: a imediata aplicação, a todos esses processos, da Lei Nova. E que o faz sem devolver ao intérprete qualquer margem de ponderação sobre as consequências de uma tal vigência, ao contrário do que resultaria da aplicação do n.º 2 do artigo 5.º do CPP, o que não pode deixar de traduzir a avaliação de que a aplicação imediata estipulada, no balanço das coisas, não opera agravamento sensível e evitável da situação processual dos arguidos e que os efeitos negativos da quebra, ou mesmo do retrocesso, na dinâmica processual – maxime os efeitos negativos que recaiam sobre a própria pretensão sancionatória, por ultrapassagem do horizonte prescricional – não devem sobrepor-se à recondução do sistema normativo aos cânones constitucionais. Por tais razões, é de concluir que é aplicável (imediatamente) aos presentes autos o regime jurídico decorrente da Lei Orgânica n.º 1/2018. Cabe, de seguida, apreciar dos efeitos e consequências de tal aplicação. 9. Como se disse, no novo regime, cuja matriz se reconduz ao enquadramento do regime contraorde- nacional consagrado no RGCO, incumbe à Entidade das Contas e Financiamentos Políticos a competência para proferir as decisões antes previstas nos artigos 29.º, 32.º, 33.º e 34.º da LFP, todas integradas na fase administrativa. A intervenção do Tribunal Constitucional apenas pode ocorrer a jusante, uma vez encerrada a fase admi- nistrativa – salvaguardados os casos de impugnação de medidas que afetem direitos e interesses legalmente protegidos, previstos na parte final do artigo 23.º, n.º 2, da LEC –, e em sede de impugnação judicial da decisão final condenatória daquela entidade (artigos 103.º-A da LTC, 23.º, n.º 1, da LFP e 23.º, n.º 1, da LEC, todos na redação conferida pela Lei Orgânica n.º 1/2018). Significa isto que o sistema normativo que passou a regular o presente processo, na dimensão sancio- natória ainda pendente de decisão final, comporta, como ato necessário e prévio à intervenção jurisdicional deste Tribunal, a prolação de decisão administrativa que avalie interlocutoriamente as contas prestadas e, caso apurada a presença de irregularidades, ouvidos os arguidos, se pronuncie sobre a respetiva responsabilidade contraordenacional [artigos 32.º, n.º 1, alínea c), e 33.º, n. os 1 e 3, da LEC, na redação vigente]. A receção desta competência pela Entidade comporta, por seu turno, a consequência de que, quer o juízo do Tribunal que declarou prestadas as contas com irregularidades, quer, a jusante, a promoção do Ministério Público que, a partir dessa discriminação, impulsionou a aplicação de coima, nos termos relatados, ainda que formalmente válidos à face dos comandos normativos vigentes à data em qual foram proferidos, deixaram de assumir, no processo de fiscalização de contas reformado, a eficácia a que estavam preordenadas. Com efeito, importa distinguir entre a validade dos atos praticados segundo a Lei Velha – salvaguar- dada pelo segmento final da norma da norma transitória contida no artigo 7.º da Lei Orgânica n.º 1/2018 –, e o seu relevo ou eficácia na disciplina processual a que se submete a Lei Nova, condição para a respetiva utilidade. Como refere Henriques Gaspar (Código de Processo Penal, 2014, p. 32): «[O] comando implícito da aplicação imediata, para o futuro, pressupõe uma limitação ao princípio: a nova lei deve respeitar os atos anteriores à sua vigência – atos cuja regularidade e eficácia continuam a ser aferidos pela lei antiga. Mas o respeito pelos atos processuais validamente praticados depende da conservação da utilidade que a lei reconhecia a tais atos ao tempo em que foram praticados; a conservação da utilidade decorrerá da circunstância de o processo continuar a admitir [a] prática do ato, ou de prever a prática de outros atos necessários para a utilidade subsista na passagem para a lei nova». Ora, a descontinuidade na ordem jurídica operada pelo regime introduzido pela Lei Orgânica n.º 1/2018, assenta justamente na avaliação da necessidade, por razões fundadas na Constituição, de erra- dicar a pronúncia inicial do Tribunal Constitucional e a sua projeção de efeitos. Votado o novo regime a assegurar que o Tribunal Constitucional não mais proceda à verificação e discriminação de factos que depois
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