TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
71 acórdão n.º 242/18 do acesso ao apoio judiciário em virtude da incapacidade de cumprir pontualmente as suas obrigações (vide, neste sentido, já o Acórdão n.º 279/09). Nestes termos, a situação de insolvência – entendida tanto como impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas, como enquanto superioridade manifesta do pas- sivo relativamente ao ativo (cfr. o artigo 3.º, n. os 1 e 2, do CIRE) –, só por si, não pode implicar como efeito automático a ablação da titularidade do direito fundamental a que se refere o n.º 1 do artigo 20.º da Cons- tituição. D) A garantia constitucional de proteção jurídica para acesso aos tribunais e o regime das custas processuais 19. Um dos argumentos invocados no Acórdão n.º 216/10 é a de que, apesar do disposto no artigo 7.º, n.º 3, da LADT, as pessoas coletivas com fins lucrativos que verdadeiramente carecem de apoio judiciário já beneficiam de isenção de custas judiciais, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea u) , do RCP (cfr. supra os n. os 11 e 15). Com efeito, a disposição em apreço consagra uma isenção de custas de que beneficiam as «sociedades civis ou comerciais, as cooperativas e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada que este- jam em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa, nos termos da lei, salvo no que respeita às ações que tenham por objeto litígios relativos ao direito do trabalho». Por força deste normativo, aquelas entidades não estão obrigadas a efetuar o pagamento da taxa de justiça devida nos processos em que intervenham, sendo que tal isenção se aplica não só ao próprio processo de insolvência ou ao processo especial de revitalização (o “PER”, que substituiu, nos termos dos artigos 17.º-A a 17.º-J do CIRE, o citado processo de recuperação de empresa), mas também às restantes ações em que tais entidades sejam parte (com exceção das ações que tenham por objeto litígios relativos ao direito do trabalho). Recorde-se que o «processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recupe- ração da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores» e que o PER se destina «a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização» (cfr., respetiva- mente, os artigos 1.º, n.º 1, e 17.º-A, n.º 1, ambos do CIRE). A filosofia subjacente ao CIRE encontra-se sintetizada no n.º 3 do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004 que aprovou esse Código: «O objetivo precípuo de qualquer processo de insolvência é a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores. Quem intervém no tráfego jurídico, e especialmente quando aí exerce uma atividade comercial, assume por esse motivo indeclináveis deveres, à cabeça deles o de honrar os compromissos assumidos. A vida económica e empresarial é vida de interdependência, pelo que o incumprimento por parte de certos agentes repercute-se neces- sariamente na situação económica e financeira dos demais. Urge, portanto, dotar estes dos meios idóneos para fazer face à insolvência dos seus devedores, enquanto impossibilidade de pontualmente cumprir obrigações vencidas. Sendo a garantia comum dos créditos o património do devedor, é aos credores que cumpre decidir quanto à melhor efetivação dessa garantia, e é por essa via que, seguramente, melhor se satisfaz o interesse público da preser- vação do bom funcionamento do mercado. Quando na massa insolvente esteja compreendida uma empresa que não gerou os rendimentos necessários ao cumprimento das suas obrigações, a melhor satisfação dos credores pode passar tanto pelo encerramento da empresa, como pela sua manutenção em atividade. Mas é sempre da estimativa dos credores que deve depender, em última análise, a decisão de recuperar a empresa, e em que termos, nomeadamente quanto à sua manutenção na titularidade do devedor insolvente ou na de outrem. E, repise-se, essa estimativa será sempre a melhor forma de realização do interesse público de regulação do mercado, mantendo em funcionamento as empresas viáveis e
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