TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

70 18. Em segundo lugar, também não procedem os argumentos da incompatibilidade estrutural daquele direito com o escopo lucrativo do leque de sujeitos em causa, raciocínio que assenta, por um lado, na con- vicção de que a condição de insuficiência económica pressuposta pela Constituição na parte final do n.º 1 do artigo 20.º se não verifica, por natureza, nestes sujeitos; e, por outro lado, na consideração de que aquela garantia irradia do princípio da dignidade da pessoa humana e, por isso, apenas é imposto para as pessoas singulares. Este segundo aspeto será objeto de análise detalhada mais adiante (vide infra a Secção E). De todo o modo, certo é que o TEDH tem declarado por diversas vezes que as pessoas coletivas com fins lucrativos são titulares de muitos dos direitos previstos na CEDH (assim, por exemplo, no que respeita à liberdade de expressão consagrada no artigo 10.º – acórdãos de 26 de abril de 1979, Sunday Times c. Reino Unido (Queixa n.º 6538/74); de 28 de março de 1990, Groppera c. Suíça (Queixa n.º 10890/84); de 20 de novembro de 1989, Markt Intern c. Alemanha (Queixa n.º 10672/83); acórdão do TEDH de 25 de janeiro de 2007, Vereinigung Bildender Kunstler c Áustria (Queixa n.º 68354/01) – à inviolabilidade do domicílio consagrada no artigo 8.º, referido às respetivas instalações empresariais – acórdão de 16 de julho de 2002, Colas Est. C. França (Queixa n.º 37971/97) – e, justamente, ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva – acór- dãos de 9 de fevereiro de 2001, F. SPA c. Itália (n.º 39164/98) e de 24 de novembro de 2005, Capital Bank c. Bulgária (Queixa n.º 49429/99); vide também, Marius Emberland, The Human Rights of Companies – Explo- ring the structure of ECHR Protection , Oxford University Press, 2006, pp. 129 e seguintes; Peter Oliver, “The protection of privacy in the economic sphere before the European Court of Justice”, in Common Market Law Review , vol. 46. 2009, p. 1445; Olivier de Schutter, “L’accès des personnes morales à la Cour européenne des droits de l’homme”, in Mélanges offerts à Silvio Marcus Helmons , Bruylant, Bruxelas, p. 91; e Nicholas Bratza, “The implications of the Human Rights Act 1998 for Commercial Practice”, in European Human Rights Law Review, 2000, n.º 1, p. 7). No que se refere à invocada incompatibilidade estrutural da garantia do acesso à justiça com a prosse- cução de fins lucrativos, a verdade é que é possível que pessoas coletivas com tais fins se vejam efetivamente colocadas em situação de insuficiência económica para suportar os custos de uma ação judicial, estejam ou não em situação de insolvência, e possam ou não repercutir tais despesas na sua atividade financeira. O argumento segundo o qual se verificaria, nesse caso, a inviabilidade económica do sujeito em causa – obrigando à abertura de um processo de insolvência (sob pena de se prejudicar a economia, segundo defende Salvador da Costa, ob. cit. , p. 45) – é frágil, desde logo porque não contempla situações pontuais e não previstas nem previsíveis em que a sociedade seja colocada numa situação em que se tenha de defender judi- cialmente de imputações que lhe sejam feitas. Recorde-se que as multas, coimas e demais encargos, incluindo juros compensatórios ou moratórios, assim como indemnizações pela verificação de riscos não seguráveis nem sequer são dedutíveis fiscalmente [cfr. o artigo 23.º-A, n.º 1, alíneas e) e g) , do Código do Imposto sobre as Pessoas Coletivas, aditado a este Código pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro]. É igualmente possível que certa pessoa coletiva (uma sociedade por quotas, por exemplo) não tenha um passivo superior ao seu ativo (e, por isso, não seja insolvente) mas que, em dada altura – especialmente em face de créditos que não foram cobrados – não esteja em condições de assegurar o pagamento das despesas inerentes a um litígio judicial, vendo-se impedida (ou pelo menos inibida) de recorrer aos tribunais. Na verdade, a «insuficiência de meios económicos» a que alude a Constituição não se sobrepõe à situação de insolvência – entendida enquanto impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas ou como supe- rioridade manifesta do passivo relativamente ao ativo [cfr. o artigo 3.º, n. os 1 e 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (“CIRE”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março], sendo conjeturável a impossibilidade (ou pelo menos a inibição) do recurso à justiça por motivos económicos relativamente a pessoas que não se encontram numa situação de insolvência e que, rigorosamente, não são inviáveis nem devam extinguir-se. Ademais, o regime da insolvência abrange igualmente, de forma genérica, pessoas coletivas sem fins lucra- tivos e pessoas singulares (cfr. o artigo 2.º, n.º 1, do CIRE), sem que tal determine uma perda generalizada

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